terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Tinelson

No romantismo há o pitoresco e o sublime. Há os que cantam as belezas e os que cantam as dores. Há românticos líricos e loucos, piegas e paranóicos. Assim é o nosso velho poeta. Uma mistura de todos. Assim é a vida de Nelson Leite, ou como ele mesmo gosta: Tinelson.
Dizem que inteligência e loucura são separadas por um fio fino e tênue, que se desfaz com o tempo. Talvez para ele esse fio nunca tenha existido. Mas é um homem livre. Libertou-se pela loucura e pelo conhecimento. “Ser culto é o único modo de ser livre”, afirma um revolucionário latino. Assim, com a sua sapiência autodidata, ele vai se libertando de todo o materialismo que nos encarcera. Isso se vê num bem humorado texto escrito à mão e afixado na porta da sua casa: “Quando a pobreza entrou por esta porta, as mulheres saíram pela janela”.
Um poema, de autoria duvidosa, diz: “Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.” Ele o cumpriu. Soube fazer isso melhor do que ninguém. Certa vez pedi a ele que me concedesse uma entrevista. Com a resposta na ponta da língua me disse: “Tudo bem, desde que seja numa hora etílica. Segunda-feira, dez da manhã. Está bom pra você?”.
Ele, verde, me chama de vermelho. Diz: Barbicha, você é um comunista. Eu rebato: E o senhor é um fascista. Ele diz: Não sou fascista, sou integralista. Eu digo: Não sou comunista, sou socialista. Ele me contradiz: socialismo e comunismo são a mesma coisa. Eu lhe digo: Ora, o integralismo esta para o fascismo assim como o socialismo esta para o comunismo. Ele, então, rebate: Você critica o Hitler e o Mussolini e defende Lênin e Stalin. Eu digo: Não os defendo, apenas critico o fascismo e o nazismo. Ele diz: Acho que discutiremos isso melhor num boteco. É apenas um bom motivo para irmos ao paraíso das idéias. Os nossos pensamentos ideológicos, diametralmente opostos, se unem pelo copo.
Chaplin, certa vez, escreveu: “A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. (...) Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai pro colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade (...)”. É isso aí, o velho poeta seguiu ao pé da letra a cartilha de Carlitos. Virou criança de novo. Encerra a ternura e a irresponsabilidade de um menino de cinco anos. Tchau pudor. Adeus bons costumes. Bonito ou feio, digo o que penso.
Órfão dos velhos amigos, vez por outra, busca inspiração na dialética metafísica que trava com seu guru do alem: Padre Domingos. Uma amizade que sintetiza os limites do sagrado e do profano, do pão e do vinho, da pinga e da péia.
Em conseqüência do seu caráter combativo, expressado nos jornais, O Agrário e a LCT (Liga Contra o trabalho), foi preso dezenove vezes pelas mãos de ditadores. Como poeta e cronista publicou 3 livros e patrocinou do próprio bolso a obra mais importante dessa cidade, a “História de Oliveira”. Como cidadão é um observador e crítico dos rumos comportamentais pelos quais seguem a juventude desse país.
Esse senhor de 87 anos, ex-deputado, cronista, escritor, poeta, filosofo, político, é uma das mentes mais brilhantes que esta cidade já concebeu. A sua débil presença física faz com que pouca gente saiba que ele é um incansável bandeirante, que desbrava o futuro, enquanto seguimos o seu rastro. É um homem que caminha à frente do seu tempo, que ri quando brigamos com as palavras, apanhamos da filosofia e comemos história crua, enquanto ele arrota filosofia, literatura e mitologia grega na nossa cara.
Certa vez ele soltou uma daquelas suas velhas “quadras” para agradar a uma moçoila: “Os beijos de minha amada, eu juro, nunca pedi. Seus beijos são como frutos: maduros, caem por si”. – A menina disse: “Não entendi nada.” Mesmo assim ele ainda a encheu de elogios. Minutos depois que ele me faz uma pergunta sobre filosofia que eu não soube responder. Ai ele esbravejou: “Você é um burro, Barbicha”.
Escrevi esse texto pensando em uma futura homenagem, pós-morten, ao velho amigo. Mas, ao que parece, além de louco, ele é imortal. Resolvi publicar em vida mesmo. Assim, há tempo de ele me apontar algum erro no texto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A serenidade faz o gênio


Certa vez, na faculdade de arquitetura, um professor nos incumbiu a tarefa de realizarmos uma série de seminários sobre vários arquitetos de todo o mundo. Uma lista deles foi apresentada e nela figuravam nomes de grandes gênios da arte de projetar, como Frank Lloyd Wright, Gregori Warchavchik, Le Corbusier, Antoni Gaudí, Walter Gropius, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Fez-se o sorteio entre os alunos para ver quem falaria de quem. Fui agraciado pela honra de discorrer minha apresentação sobre o brasileiro Oscar Niemeyer, que acaba de completar cem anos em plena atividade.
_ Niemeyer se formou em 1934. Seu primeiro local de trabalho foi o escritório de Lúcio Costa, aquele que é considerado “o pai espiritual do modernismo brasileiro”. Trabalhou de graça, pois sabia que ali estava a vanguarda da arquitetura do Brasil. Nascia naquele momento a parceria que perduraria por vários anos. Niemeyer ganhou a oportunidade de conhecer outro gênio da arquitetura ao ser designado por Lúcio Costa para ajudar Le Corbusier, de passagem pelo Brasil em 1936 para colaborar com o projeto do prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro.
Anos depois, em 1947, os dois voltariam a se encontrar,mas em posições opostas: Em Nova York, Niemeyer e Le Corbusier disputaram, com outros renomados arquitetos do mundo inteiro, o privilégio de projetar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto vitorioso foi o do brasileiro.
Lê Corbusier e Lúcio Costa foram duas figuras de grande importância na vida e na carreira de Niemeyer, mas ambos não influenciaram diretamente no seu perfil criativo: “Le Corbusier foi importante, mas os traços dele eram diferentes, mais pesados. Ele fez o poema do ângulo reto. Eu, ao contrário, fiz a poesia da curva”, resume Niemeyer.
Em 1940 Niemeyer conhece o jovem político, candidato a prefeito de Belo Horizonte: Juscelino Kubitschek. Este, mais tarde, já como prefeito da capital mineira, lhe dá a tarefa de projetar a Pampulha. Construído em dois anos e meio, o bairro belorizontino firmou definitivamente a amizade entre Niemeyer e Kubitschek.
Em 1945 Oscar iria conhecer outro importante político brasileiro que tinha sua admiração: o líder comunista Luís Carlos Prestes. O encontro foi em 1945, quando Prestes saiu da prisão e o Partido Comunista Brasileiro foi legalizado. Niemeyer doa a casa que usava como escritório, na Lapa, centro do Rio, a Prestes, para que montasse ali o comitê metropolitano do Partido Comunista. “Disse que o trabalho dele era mais importante que o meu e cedi a casa onde estávamos.” Confirma Oscar.
Em 1957 Lúcio Costa vence o concurso nacional para o Plano Piloto de Brasília. Nesta época Juscelino Kubitschek procura o velho amigo na Casa das Canoas, pedindo que o ajude na construção da nova capital. Niemeyer projeta grande parte dos principais edifícios de Brasília, incluindo: o Congresso; os Palácios da Alvorada, da Justiça, do Planalto e dos Arcos; a Catedral; o "Minhocão" da Universidade de Brasília; o Teatro Nacional; o Memorial JK.
Suas obras se espalharam por vários países, e elas próprias o coroaram com o título de maior arquiteto vivo do mundo. O seu diferencial foi a audácia de dar leveza ao concreto, de atribuir curvas à sisuda arquitetura moderna e transformar toda a construção, da estrutura ao telhado, numa grande obra de arte.
Os riscos descompromissados que passeavam sobre sua prancheta nada mais eram que a transferência dos seus ideais de liberdade, bebidos diretamente na poesia e no profundo sentimento humanitário que leva dentro de si. Isso se confirma na sua militância política e na sensibilidade nata para aspirar a poesia e assoprá-la na arquitetura. Mais que viver, é preciso vivenciar e proporcionar grandes momentos à humanidade. O poeta das pranchetas soube muito bem fazer isso, porque o fazia com a serenidade de um gênio.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Documentário em fase final

O Documentário, Gazeta de Minas 120 Anos de Jornalismo
e História, entra em fase de edição e o seu lançamento será no próximo mês.