terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

--------------------- Fidel Castro -------------------

Um Mito Vivo


O líder cubano Fidel Castro renunciou nesta terça-feira (18) à presidência de Cuba. Depois de 49 anos na presidência da ilha Fidel afasta-se do poder e abre espaço para a indicação do irmão nas eleições para definir a cúpula do governo, no próximo domingo.


* Leia, abaixo, a biografia do Líder da Revolução Cubana com pesquisa e texto de Luciano Soares:

Terceiro filho de Angel Castro e Lina Ruz, Fidel Alejandro Castro Ruz nasceu em 13 de agosto de 1926, em Birán, antiga província do Oriente, em meio à plantação de açúcar.
A infância foi marcada pelas aulas nos colégio La Salle e Dolores, cavalgadas solitárias na fazenda do pai e a paixão pelo esporte: Beisebol, natação, basquete e futebol americano. Em casa, nas horas vagas, mergulhava nos livros da família, como a coleção em dez volumes da Revolução Francesa.
Em 1934, o coronel Fulgêncio Batista Y Sadivar deu seu primeiro golpe de estado em Cuba, assumindo o controle do país.
Na adolescência, namoros, brigas e esportes mais ousados, como boxe e tiro, marcaram a transição do jovem que em pouco tempo surgiria como grande líder estudantil.
Em 1945 Fidel ingressa na Universidade de Havana para cursar direito.
Em 1º de abril de 1948, Fidel desembarcou em Bogotá, como representante de estudantes cubanos, para participar de uma conferência pan-americana paralela a OEA.
Em 1948 casa-se com Mirta Días Balart. Em 1949 tiveram um filho e se divorciaram cinco anos depois.
Em 1952, quando percebeu que pelo voto jamais chegaria ao segundo mandato como presidente, Batista deu outro golpe e passou a governar ditatorialmente o país.
Em 26 de julho de 1953 com um grupo de aproximadamente 120 homens, Fidel Castro tenta tomar de assalto o quartel de Moncada em Santiago de Cuba. O ataque se converte em derrota para as forças revolucionárias. Muitos combatentes são assassinados e o restante preso, entre eles o comandante do grupo.
Durante seu julgamento, Fidel faz sua própria e famosa defesa: Não temo a prisão, como não temo a fúria do tirano miserável que arrancou a vida de setenta dos meus irmãos. Condenai-me, não importa. A história me absolverá. É sentenciado a 15 anos de prisão na Ilha de Pinos, mas saiu em liberdade 22 meses depois graças a uma anistia. Fica exilado no México onde conhece Ernesto Che Guevara.

Cuba antes da Revolução

* A situação de Cuba não era das melhores, depois da ocupação direta dos Estados Unidos iniciada nos fins do século XIX, o país passou a ser administrado por governos subalternos aos interesses norte-americanos. Aquela pequena ilha solta em meio ao Mar do Caribe era um país sem futuro, sem amanhã, sem porvir, sem o direito de querer, a mingua de orgulho. Um povo sem esperança. Nessa Cuba, a expectativa de progresso da mulher camponesa, da filha do trabalhador, da menina de classe média era a prostituição. O agricultor não tinha terra para plantar: 70% de todo o território cubano estava nas mãos de militares, grandes latifundiários e executivos norte-americanos. Em uma nação amorfa, onde a intervenção norte-americana era um fato inevitável e congênito, uma personalidade capaz de captar a necessidade popular, capaz de recuperar o amor próprio da ilha encerraria enorme potencial.
* Jorge Castañeda – escritor.

A Revolução de Fidel

Na noite de 25 de novembro de 1955, no Granma, um velho iate com capacidade para 20 passageiros, partem Fidel e mais 81 soldados atravessando o Canal do México rumo à luta armada, em território cubano.
No desembarque, os revolucionários, dispersos pelo pântano, sofreram vários ataques aéreos e por terra, muitos deles foram abatidos.
Dos 82 tripulantes do Granma, sobraram apenas 18 que marcharam rumo a Sierra Maestra, o campo de batalha idealizado por Fidel. A partir de lá iniciaram a guerrilha que algum tempo depois ganharia as cidades. Aos poucos, o exército rebelde, através da rede de apoio que se instalara clandestinamente nas cidades, ia recebendo mantimentos, munição e mais homens. O “Movimento”, aos poucos começou a ganhar apoio popular e de algumas instituições como o Sindicato dos Advogados, dos Médicos, de organismos de representação civil e do Diretório Revolucionário (DR).
A luta durou três anos, e o que parecia impossível aconteceu. Antes de terminarem os festejos de ano-novo na capital, Batista foge de Cuba. Fidel Castro conclama, via rádio, a povo cubano. A população sai às ruas, festeja a vitória, e aclama os rebeldes: a Revolução triunfou.

O Pós Revolução

Fidel Castro promove reforma agrária, nacionaliza as empresas, e transforma grandes extensões de terra, pertencidas a empresas estrangeiras e a latifundiários locais, em unidades de produção, representando 70% da superfície cultivável do país. Pequenos agricultores que recebem gratuitamente a terra têm direito a empréstimos sem juros.
A pressão que exercem, aliada aos choques do novo governo cubano com os interesses econômicos norte-americanos, leva ao rompimento das relações diplomáticas EUA-Cuba em Janeiro de 1961.
Em dezembro de 1961, Fidel Castro anuncia a adesão do Estado cubano ao marxismo-leninismo e alinham política e militarmente com a URSS. Os EUA decretam, em 1962, bloqueio econômico e político a Cuba, que é expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em 1972, Cuba entra no mercado comum do bloco comunista. O país obtém grandes progressos econômicos e sociais, especialmente na medicina, saúde pública, habitação e educação. Com o colapso soviético, o país entra em crise e inicia severo racionamento de combustível, energia e alimentos. Em 1996 o presidente Bill Clinton impõe sansões a países que comercializam ou investem em Cuba.

As tentativas de derrubar Fidel

A tensão entre EUA e Cuba teve início quando exilados cubanos treinados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos, numa tentativa frustrada de derrubar o governo revolucionário: foram derrotados em 72 horas.
De lá pra cá, segundo o próprio, Fidel já sofrera mais de 70 tentativas de atentados planejadas pela CIA. Segundo um de seus ministros, foram mais 600 atentados. Com a liberação dos arquivos do governo Kennedy, alguns planos para uma intervenção direta em Cuba, sugeridos pelo então secretário de defesa norte-americano Robert McNamara, tornaram-se conhecidos. Um deles seria forjar um ataque de cubanos à base americana de Guantânamo. Outro era explodir um navio americano vazio e mandar tropas resgatar vítimas fictícias. E um terceiro resumia-se em afundar uma balsa de cubanos fugindo para os EUA. Para McNamara essa hipótese não precisava ser uma simulação.

Fidel Castro por Gabriel Garcia Marques

O Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel Garcia Marques, fez uma síntese do perfil do comandante cubano em texto intitulado “O Fidel Castro que conheço”, publicado no site da revista Cuba Socialista, em 17 de setembro de 2006. Segue trecho inicial da publicação:
Sua devoção pela palavra. Seu poder de sedução. Vai em busca dos problemas onde eles estão. Os ímpetos da sua inspiração são próprios do seu estilo. Os livros refletem muito bem a amplitude de seus gostos. Deixou de fumar para ter a autoridade moral para combater o tabagismo. Gosta de preparar as receitas de cozinha com uma espécie de fervor científico. Procura se manter em excelentes condições físicas com várias horas de ginástica diária e de natação freqüentes. Paciência invencível. Disciplina férrea. A força da sua imaginação o arrasta aos imprevistos. Tão importante quanto aprender a trabalhar é aprender a descansar. Fatigado de conversar, descansa conversando. Escreve bem e gosta de fazê-lo. O maior estímulo da sua vida é a emoção ao risco.

A doença

Em 31 de julho de 2006: Fidel Castro passa temporariamente o poder a seu irmão Raúl Castro para se submeter a uma cirurgia gastrointestinal.
No dia do seu aniversário de 80 anos, aos 13 de agosto de 2006, Fidel Castro deseja "eterna glória" a seus companheiros de luta, "por resistir e vencer o império [EUA], demonstrando que um mundo melhor é possível".
Aos 17 de setembro de 2006 o Comandante em Chefe, Fidel Castro, manda uma mensagem ao povo de Cuba e aos amigos do mundo:
Eu não posso inventar notícias boas, porque não seria ético, e se as notícias não são boas, o único que irá tirar proveito delas é o inimigo (entenda-se EUA). E diz que na situação específica de Cuba, devido aos planos do império, o seu estado de saúde se converte em um segredo de Estado. E continua: O importante é que o país marche e marchará perfeitamente bem. O país está preparado para sua defesa pelas forças armadas e pelo povo.
Em 16 de janeiro de 2007 médicos espanhóis afirmam que o estado de saúde de Fidel Castro é gravíssimo. No mesmo dia José Luis Garcia Sabrido, médico espanhol que atendeu o presidente cubano, desmentiu a reportagem publicada no jornal ''El País''.


O futuro de Cuba

Durante o 7º Congresso da Federação Estudantil Universitária de Cuba, ocorrido no dia 20 de dezembro de 2006, Raul Castro disse que a geração que conseguiu a vitória da Revolução está findando o cumprimento do seu dever e é preciso abrir caminho gradativamente às novas gerações.
Para alguns intelectuais como o filósofo Ruy Fausto, as mudanças no governo cubano pós-Fidel é possível. Mas o professor emérito da USP também vê com ressalvas o futuro das relações entre Cuba e Estados Unidos.
Para o escritor e teólogo, Frei Betto, o socialismo cubano não deve desaparecer com a morte de Fidel. Sobre as relações de Cuba com os Estados Unidos, o escritor afirma que só poderão melhorar quando o governo americano respeitar a autodeterminação da ilha e suspender o bloqueio econômico a Cuba. “O maior legado de Fidel é a coragem de dar um basta na prepotência do governo dos Estados Unidos e sobreviver a mais de 20 presidentes americanos e 30 diretores da CIA”, conclui Frei Betto.
Jorge Mas Santos, presidente da Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA), grupo mais influente do exílio cubano nos EUA, pediu às Forças Armadas de Cuba que estabeleçam um governo de transição e não apóiem Raúl Castro. Já o líder do Comitê de Defesa da Revolução (CDR), organização com cerca de 8,2 milhões de filiados, Juan José Rabilero, afirmou que os quadros dos Comitês cumprirão suas tarefas e "estarão na primeira linha de combate, com Raul".

O comandante deixa o poder

Em 2007 o líder cubano aparece pouco em público e seus famosos discursos reduziram-se a pequenas palestras em vídeo e alguns artigos escritos ao jornal oficial cubano.
Em dezembro, o comandante cubano havia expressado que não estava aferrado ao poder e nem obstruiria a passagem das novas gerações. Nesta segunda, ele confirmou a impossibilidade de continuar no cargo de comandante-em-chefe da nação. "Trairia (...) minha consciência ocupar uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total que não estou em condições físicas de oferecer. Explico isto sem dramaticidade", disse. No dia 18 de fevereiro de 2008, às vésperas das eleições presidenciais em Cuba, a imprensa oficial da ilha divulga uma carta de Fidel, em que o líder cubano afirma que vai continuar em combate como “um soldado das idéias” e abre espaço para a posse do irmão na presidência do país.

O legado de Fidel

Fidel Castro governou Cuba de 1959 a 13 de julho de 2006, quando se afastou do governo por problemas de saúde. Seu regime recebeu críticas de parte da opinião pública por adotar a pena de morte e execuções sumárias como o fuzilamento. Apesar dos erros, sua política social passou a ser um exemplo para o mundo: Mesmo com 45 anos de embargo econômico os índices de mortalidade infantil em seu país é um dos menores do mundo, ganhando de Argentina, Brasil e até dos EUA; Das 200 milhões de crianças que moram nas ruas do mundo, nenhuma é cubana; Dos 94 milhões de indigentes, nenhum é cubano; Em trinta anos, Cuba enviou mais de 40.000 médicos a países necessitados e possui um dos melhores programas de saúde do mundo; Segundo a UNESCO, Cuba lidera, de longe, os países latino-americanos no que diz respeito à educação primária.
Em 2006 a economia cubana cresceu 12,5%. O maior crescimento de toda a América Latina e mais elevado índice da história revolucionária cubana. O ministro da Economia e Planejamento de Cuba, José Luis Rodríguez, ressaltou que as dificuldades internas provocadas pelo bloqueio aos poucos se ameniza. Só no último ano o país reduziu os cortes de luz em 90%, comprou 29 milhões de utensílios eletrodomésticos, concluiu 110 mil casas e terminou 650 obras relacionadas com saúde e educação. Os investimentos em saúde, educação, energia elétrica e infra-estruturas foram de US$ 4,5 bilhões em 2006.

Luciano Soares

Bibliografia consultada:
Fidel Castro, Uma biografia consentida Tomos I e II – Cláudia Furiati; Fidel Castro, O Pensamento Vivo – Alberto Briceño Pólo; Cuba se Defende – Fidel Castro; A Ilha – Fernando Morais; Che Guevara, A Vida em Vermelho – Jorge Castañeda;; Jornal Granma; Revista Cuba Socialista; Almanaque Abril 2001; Agências internacionais.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Algo estranho no ar

Há algum tempo venho assistindo matérias, no mínimo, suspeitas, nos telejornais de uma televisão brasileira. Seus temas vêm sendo estranhamente repetidos nos últimos meses. Muita gente deve ter acompanhado várias reportagens abordando o êxodo de cubanos rumo aos Estados Unidos. Dizem assim: “Um grupo de cubanos tentou chegar aos Estados Unidos atravessando o Mar do Caribe usando um barco. Eles tentaram sair da ilha para ‘fugir do regime de Fidel Castro’”.
Ora, gente do mundo inteiro tenta entrar todos os anos na América, quando os cubanos, que estão há 150 milhas daquele país, procuram fazer o mesmo, dizem que estão fugindo de tal regime. E quanto aos milhares de brasileiros que são deportados ou impedidos de entrar nos EUA, será que também estão fugindo do regime de Lula ou de Fernando Henrique?
Mas isso não vem ao caso agora, o que me preocupa não é a forma como dão as notícias, mas os objetivos delas. Outro tema que não sai da pauta são as críticas ao presidente Hugo Chaves ou, como essa televisão gosta de dizer: “ditador venezuelano”. Quanto se falou sobre a tal ditadura de Chaves... Ta certo que ele não tem o rostinho bonito como o do Fernando Collor quando essa rede de TV o ajudou a eleger-se Presidente, mas convenhamos: Que ditador é esse que foi eleito e reeleito pelo povo e que depois de ter sido vítima de um golpe de estado, volta ao poder pelos braços desse mesmo povo? Que ditadura é essa que leva as decisões importantes de seu país, inclusive o aumento do mandato do presidente, ao crivo popular por meio de plebiscitos? E a tal da TV fechada pelo “ditador”, como reportou diuturnamente essa rede de televisão? Em momento nenhum essa empresa de comunicação foi fechada. Respeitou-se inclusive o seu contrato de concessão, mesmo que esse veículo tenha sido um instrumento de ferrenhas críticas ao governo. O engraçado é que nunca vi essa televisão brasileira chamar de ditadores os generais que banharam esse país de sangue em vinte anos de ditadura. Pelo contrário, quando as campanhas pelas diretas assomaram o país pedindo o fim do regime militar e um milhão de pessoas lotou a Praça da Sé, em São Paulo para protestarem, o seu principal jornal deu a notícia do evento como se aquilo fosse uma mera comemoração do dia do trabalhador. Sempre mentindo.
Como jornalista e pesquisador da história política da América Latina, essas repetidas reportagens sobre o mesmo tema não me cheira bem, ainda mais vindas de onde vieram. Já vi este filme antes. Há alguns anos, uma tal Operação Condor, desenvolvida pela Cia para tentar barrar a onda comunista que se espalhava pelo mundo, acabou resultando numa série de golpes militares. Quase toda a América Latina sofreu com a repressão das ditaduras de extrema direita, inclusive o Brasil, após o golpe de 64. Descobriu-se, mais tarde, nos arquivos do Serviço de Inteligência Americano, que os EUA mantiveram um porta-aviões na costa brasileira para dar apoio aos militares, caso esses não fossem bem sucedidos.
Pois bem, antes de se afirmar qualquer coisa, a América Latina vive um momento político, pelo menos do ponto de vista ideológico, parecido com o daquela época. Não temos novamente uma onda comunista. A Guerra Fria já terminou, e a China ameaça o Império Americano apenas economicamente, mas o ideário socialista está de volta ao continente. Por meio do voto popular, pelo menos nove países elegeram presidentes de esquerda. Além disso, Hugo Chaves é um crítico ferrenho da política americana e, detalhe, tem PETRÓLIO. E Cuba... A eterna pedra no sapato dos Estados Unidos. A ilha também passa por um momento político delicado em função da saúde debilitada do líder que se levantou contra o domínio ianque naquele país.
Será que os objetivos dessas reportagens são os de colocar a opinião pública contra, justamente, aqueles que se opõem aos domínios americanos? Serão elas o prenúncio de uma nova investida americana no continente, começando por Cuba e pela Venezuela? Será que usarão nesses dois países os mesmos argumentos que usaram para invadirem o Iraque? Isso só o tempo nos dirá.

Luciano Soares