quinta-feira, 7 de agosto de 2014

DIREITA X ESQUERDA

Imagem da histórica "Batalha da Maria Antônia.

- Às vésperas de mais uma eleição para presidente, acirram-se as velhas discussões entre direita e esquerda no Brasil. Nesse embate, muitas pessoas se posicionam sem saber sequer o que cada lado representa. Para tentar identificar quem é quem, vamos à história:

Quando Pedro Álvares Cabral gritou “terra à vista!”, abrindo caminho para os portugueses catequizarem nossos índios, comerem nossas índias e nos colonizarem, instalou-se a direita no Brasil. Com a vinda da Família Real, a direita ganhou poder. Quando o país foi dividido em Capitanias Hereditárias, a direita ganhou território. Quando essas capitanias foram divididas em sesmarias e doadas aos homens que dizimaram os índios daquela região, nasciam ali os grandes latifundiários de direita, que, posteriormente, subdividiram essas terras e as legaram aos seus herdeiros, que viraram coronéis, filhos de coronéis, e os netos dos coronéis que hoje se espalham por aí.

No momento em que Tiradentes e sua turma manifestaram-se contra, entre outras coisas, a derrama e o domínio português, dentro da chamada Inconfidência Mineira, na segunda metade do século XVIII, nascia a chama da esquerda no país. Não que eles necessariamente fossem de esquerda, mas plantaram o que poderíamos chamar de conceito ideológico da esquerda. Naquela época, a Coroa Portuguesa conseguiu abortar o movimento dos inconfidentes, assim como vem tentando impedir toda tentativa de mudança no status quo vigente desde o período imperial. Esse conceito lançado pelos inconfidentes pôde ser identificado também no movimento republicano e abolicionista (quando se tinha, do outro lado, os escravocratas de direita).

Pela América Latina, figuras como Simóm Bolívar, San Martín e José Martí se entregam a sangrentas batalhas da esquerda contra o domínio espanhol sobre os países dessa região. Na Europa, explode a Revolução Francesa, que a princípio era de esquerda, mas depois que os burgueses tomaram o poder, virou de direita. Marx e Engels lançam o Manifesto Comunista (inspiração para a esquerda). Adam Smith lança o conceito de liberalismo e a teoria da Mão Invisível (inspiração para a direita).

Durante boa parte do século IXX e XX, o Brasil viveu sobre a influência da cultura francesa, desde a moda, passando pela arte, comportamento, etc. A Belle Époque parisiense contagiava a sociedade burguesa e pequeno-burguesa brasileiras. - Alguns livros de histórias trazem relatos de que em certos salões de festa do Rio de Janeiro a língua oficial era o francês. - Dessa forma, a direita burguesa tupiniquim, que já carregava influências da Corte Portuguesa, passa a absorver os padrões estéticos da Cidade Luz, o que a obrigava a não aceitar, desde aquela época, a tipos barbudos e com um dedo a menos na mão, muito menos os que não saibam falar francês ou inglês.

Em 1922, acontece em São Paulo a Semana de Arte Moderna, que derrubou os quase indeléveis cânones artísticos praticados em todo o mundo, desde o Renascimento Italiano. Estava lançada a arte genuinamente brasileira. O ato de rebeldia de Anita Malfati, Oswald de Andrade e Cia, causou a ira dos críticos de direita e o aplauso da esquerda. Durante a primeira metade do século XX, a revolucionária Coluna Prestes foi perseguida até a sua extinção. Durante esse período, até os tempos atuais, todo aquele que ousou imprimir mudanças no país, de alguma forma, foi tirado de cena. Que o digam o PCdoB e os presidentes Getúlio Vargas, que não aguentou a pressão e suicidou; Juscelino Kubitcheck, assassinado; Jânio Quadros, que renunciou, e João Goulart, deposto do cargo de presidente, após ser eleito democraticamente pelo voto popular.

No início dos anos 1960, a direita católica brasileira inicia a “Marcha da Família com deus pela Liberdade” contra o que chamavam de “avanço comunista”. Isso deu base para que, em 1964, a extrema direita do país, que conspirava desde a época de Getúlio, instalasse uma ditadura militar no Brasil. Na medida em que a esquerda tentava resistir a isso, seus membros eram perseguidos, presos, torturados e assassinados. Nessa época, a Rede Globo, que era uma emissora de TV de médio porte, agiganta-se, a partir das benesses dispensadas a ela pelo regime vigente, em troca de apoio.

Em 3 de outubro de 1968, acontece a famosa “Batalha da Maria Antônia”, marcada por um confronto entre estudantes de esquerda da Faculdade de Filosofia e Letras da USP e alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de direita. Na época, as duas instituições, localizadas na rua Maria Antônia, região central de São Paulo, eram vizinhas. A turma da USP lutava contra a ditadura, enquanto o pessoal do Mackenzie a defendiam. Mais uma vez se tinha, de um lado, reacionários (direitistas que se opõem à mudanças), e de outro, revolucionários (esquerdistas que lutam para derrubar o status quo).

Também em 1968 os jornalistas Roberto Civita (de direita) e Mino Carta (de esquerda) criam a revista Veja. Mais tarde Mino vende a sua parte do semanário e lança a revista Carta Capital. Civita anuncia a sociedade com o Naspers, grupo de comunicações sul-africano, vinculado às elites africâneres que legalizou o criminoso regime do apartheid.

Em 1979 estoura a Greve Geral do ABC Paulista. No dia 27 de março, o operário sindicalista “Lula”, comanda a assembleia que reuniu 70 mil trabalhadores no Estádio de Vila Euclides. Ali ele negociou uma trégua de 45 dias, acordada entre os patrões e a diretoria do Sindicato. A trégua previa a suspensão da greve e a reabertura das negociações. Em 10 de fevereiro de 1980, Lula ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, que representava a união de centenas de milhares de pessoas ligadas aos movimentos sindicais, comunidades eclesiais de base da igreja católica, grupos de esquerda e intelectuais.

Começam os anos 80 e a esquerda volta às ruas com a campanha pelas Diretas, dessa vez, com o apoio popular. Pelo voto indireto, Tancredo Neves é eleito presidente, mas morre antes de assumir. Em seu lugar, toma posse José Sarney. Em 1989, o povo tem a chance de eleger seu primeiro representante pelo voto direto, desde a redemocratização, mas acaba caindo na ilusão de um personagem, chamado de “Caçador de Marajás”, criado por certa Rede de Televisão (a mesma que manipulou a edição do debate entre Lula e Collor, favorecendo o candidato da “direita”, Fernando Collor de Mello, eleito presidente, cargo em que perderia mais tarde, pelo processo de impeachment.

Após três tentativas, Lula foi eleito presidente da República para o período de 2003 a 2006 e reeleito para o segundo mandato, de 2007 a 2010. Durante os seus oito anos de governo, foram gerados 15 milhões de empregos. Entre 2003 e 2009, 27,9 milhões de pessoas saíram da pobreza, enquanto 35,7 milhões ascenderam à classe média. Em 2010, Dilma Rousseff, ex-guerrilheira de esquerda, é eleita a primeira mulher presidente do Brasil. Uma das suas primeiras ações no governo foi lançar o programa “Brasil sem miséria”, que já tirou mais de 20 milhões de pessoas da extrema pobreza.

Hoje, a TV, que cresceu com a ajuda da ditadura de direita, e a revista, que se aliou à racistas africanos e é bancada por uma federação de indústrias de São Paulo, que por sua vez foram obrigadas a conceder uma série de benefícios aos trabalhadores daquele estado, depois da greve do ABC, liderada por Lula, fazem campanha contra Dilma Rousseff, candidata do PT, partido de esquerda, que Lula ajudou a criar, e que transformou um país de terceiro mundo na sexta economia do mundo, pagando a dívida externa e ajudando a criar um novo FMI.

Texto: Luciano Soares.

Uma nova chance

Desde a criação do Código de Hamurabi, escrito aproximadamente em 1700 a.C, das escrituras hebraicas, por volta de 1230 a.C, passando pela Lei das Doze Tábuas, que está na origem do direito romano, preparada entre 451 a.C. e 450 a.C, que o homem procura estabelecer normas, seja para harmonizar o convívio, para impor preceitos morais ou religiosos, para explorar seus semelhantes ou mesmo para garantir o direito do outro.

Em meio a todas essas leis, que obviamente variaram no tempo e no espaço, está o frágil ser humano. Um animal dotado de raciocínio, que ora se apresenta brilhante, e noutro momento, confuso e perturbado. O ser humano nasce, cresce e constrói seu caráter com base no seu meio de convívio, na cultura ali estabelecida, em suas vocações e desejos, e nos seus instintos naturais, inexplicáveis, às vezes, até pela ciência.

Foi do encontro dessas normas com o homem instintivo que nasceu o cárcere. Na barbárie histórica dos tempos. Entre calabouços, masmorras, guilhotinas, forcas, cadeiras elétricas e carandirus, há um grande desafio a ser vencido: a coragem de dar ao contraventor uma nova chance. Mais do que um ato de altruísmo, de humanidade, é um tabu a ser quebrado por aqueles que se negam a adotar a tortura, física ou psicológica, como forma de punição. Se imaginarmos que, por si só, a supressão da liberdade já é uma forma de tortura, devolver esse cidadão ao convívio em sociedade passa a ser tarefa quase impossível.

Texto: Luciano Soares.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O que ficou da Copa



Havia sobre nós o velho estigma de subdesenvolvidos, malandros, desorganizados, incapazes, atrasados e mal educados. Tínhamos uma autoestima tão deteriorada que nós nos reconhecíamos em todos esses adjetivos e nos acomodávamos sobre um enraizado complexo de vira-latas e sobre a esperança de que o Brasil era o país de um futuro que nunca chegava. Uma das poucas coisas que levantava o nosso moral era o fato de sermos o único país a participar de todas as copas, período no qual faturamos cinco títulos e nos tornamos os maiores campeões mundiais de futebol.

Desde que o Brasil conquistou seu último mundial, em 2002, na Copa realizada no Japão e Coreia do Sul, muita coisa mudou. Em doze anos, o brasileiro experimentou mudanças nunca antes imaginadas num período tão curto, quando pôde acreditar que o futuro finalmente começava a lançar sua luz sobre o horizonte tupiniquim. De repente, as pessoas deixaram de escutar o desagradável barulho das máquinas de remarcar preços nos supermercados, a renda melhorou, o povo começou a ter acesso a bens duráveis, ao carro novo, à casa própria, às universidades e às viagens de avião. Chegamos ao posto de quinta economia do mundo.

Embora tenhamos muito a caminhar em direção a esse futuro, principalmente no que diz respeito à saúde, educação, segurança e infraestrutura; ainda que estejamos muito atrasados no campo da política, cujo sistema é cheio de vícios e atalhos para a corrupção; mesmo que necessitemos evoluir enquanto cidadãos, nós, aos poucos, vamos reerguendo nossa autoestima, e essa Copa do Mundo foi a grande prova de fogo a que fomos submetidos. Graças a ela, hoje nós não nos reconhecemos mais somente nos naqueles defeitos, mas também nas muitas qualidades que possuímos, postas a prova diante dos olhos do mundo.

A tragédia que recaiu sobre a nossa seleção, após perder de 7x0 para a Alemanha, em casa, não se fez tão trágica quanto aquela fatídica derrota para o Uruguai, no Maracanã, em 1950. Isso porque, o futebol, embora continue sendo uma paixão nacional, não é mais a nossa prioridade, e já não é o nosso único motivo de orgulho. A derrocada para a seleção Alemã foi histórica, mas acima dela está o reconhecimento mundial de que realizamos a melhor copa de todos os tempos, de que somos um país preparado para realizar grandes eventos, receber turistas do mundo inteiro, e de que, além das nossas belezas naturais, temos um povo amável e valoroso. Graças a esse mundial, tiramos das nossas costas o estigma de subdesenvolvidos, malandros, desorganizados, incapazes, atrasados e mal educados. E ainda que boa parte da mídia brasileira tenha apostado contra, mostramos ao mundo a nossa competência.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Heróis por pouco

(Foto: Reuters)


Entre o herói e o vilão, às vezes, há uma linha tênue, formada por uma fração de segundo ou pelo espaço de alguns centímetros - a largura de uma trave, talvez. Foi o que ocorreu com a nossa seleção no último sábado, e que, obviamente, não se aplica a Júlio César, vilão da última copa, e candidato a herói dessa. Depois de um jogo péssimo, todos esses a quem é atribuído o ato de heroísmo, estariam na panela do diabo, caso nosso adversário não tivesse errado aquele pênalti ou o goleiro não tivesse defendido aquelas bolas. 

O juiz errou no gol anulado do Brasil, mas o Hulk também falhou naquela bola que resultou no gol do Chile, e depois ainda errou um pênalti. O rapaz do hiperglúteo ficou entre a cruz e a espada e foi salvo pelo gongo, assim como toda a nossa seleção. Na minha opinião, faltou o dedo do técnico, que parecia perdido entre os dedos táticos do Parreira, e que ora recebe louros por ter bancado a convocação de Júlio César, a contragosto de muitos. 

É bom lembrar que o gol do Brasil foi feito por um chileno, atrapalhado pelo nosso zagueiro, depois de uma cabeçada do outro zagueiro, ou seja, o ataque não funcionou, nem o meio de campo. Às vezes o otimismo suplanta o temor, a vontade supera a deficiência, e a sorte oculta a incompetência, mas é bom o Felipão colocar as barbas (ou o bigode) de molho, porque a parada começa a apertar daqui pra frente. Vamos, Brasil!

sábado, 14 de junho de 2014

O vandalismo dentro do estádio foi pior


Dois fatos negativos marcaram a abertura da Copa do Mundo no Brasil na quinta-feira, 12 de junho. De fora dos estádios os Black Blocks cometiam crimes contra o patrimônio público e privado. Do lado de dentro, os White Blocks, ou o Bloco da Elite Branca, cometia crime contra a pessoa, previsto no Código Penal Brasileiro, ao agredir uma mulher, mãe e presidente da república.

Foi essa mesma elite mal educada, inculta e mesquinha que praticamente ignorou as apresentações das nossas culturais regionais durante a cerimônia de abertura, simplesmente, porque a desconhece, ou não se reconhece nelas, afinal, aquilo é coisa de “povo”.  Provavelmente, personagens dos parques de Orlando-EUA a agradaria bem mais, ou lhe provocaria maior empatia. Por outro lado, o ponto alto da festa lhe causou frisson, quando surgiram as figuras de Jennifer Lopez, do rapper Pitbull, claro, pelo americanismo que eles representam, e da cantora Cláudia Leite, porque a remeteu ao carnaval baiano, onde a mesma elite branca monopoliza os blocos mais caros, isolando-se, por cordas e seguranças, do povo nativo, pobre e preto.

É essa mesma elite que regozija-se de ter o privilégio de estar onde poucos podem entrar, de não ter entre ela quase nenhum negro, que protesta contra as cotas para afrodescendentes nas universidades e qualquer programa social que aproxime os mais pobres do seu patamar. Está aí o motivo do ódio. Essa mulher que tentam ofender foi quem colocou pobre em poltrona de avião, lugar antes privativo dos ricos, e que encheu de “povo” as filas dos caixas de supermercado, com seus carrinhos abarrotados. Eis causa da cólera dos endinheirados.

É essa elite hipócrita que canta à capela o hino que diz “...dos filhos deste solo, és mãe gentil, Pátria Amada Brasil”. Sim, é mãe gentil de filhos mal educados e ingratos. Típicos filhinhos de papai, que ganham tudo de mão beijada e depois criticam o Bolsa Família, dizendo que é preciso ensinar a pescar, ao invés de dar o peixe. São os filhos deste solo, que ganham viajem para a Disney, mas não recebem educação.

E a hipocrisia dessa elite continua ao constatarmos que a mesma presidente da república inaugurou boa parte dos estádios da copa, durante clássicos regionais, inclusive dando o chute inicial das partidas, bem ao centro do campo, com as tradicionais torcidas brasileiras nas arquibancadas, sem receber uma vaia sequer. Ou seja, estamos falando das mesmas torcidas formadas por aqueles que a elite branca chama de “mal educados”.

Agora, só uma pergunta: Onde será que estavam esses burguesinhos quando a nossa presidente era torturada por lutar pela liberdade que esses idiotas ora usufruem, inclusive, para praticarem sua má educação nos estádios?

terça-feira, 8 de abril de 2014

Um golpe na liberdade e na democracia

*Pesquisa: Luciano Soares

Acompanhe a história da ação militar que há 50 anos depôs o presidente João Goulart e instalou uma ditadura de 20 anos no Brasil



O ano era 1964. O dia, 1º de abril. Mas não se tratava com uma mentira. O país acordou com um silêncio ensurdecedor. Veículos militares com tropas e armamentos se deslocaram de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, sem encontrar resistência. O destino, o Palácio do Catete, sede do Governo Federal, de onde, horas antes, o presidente João Goulart havia saído para nunca mais voltar. Tratava-se de um golpe de estado que a imprensa da época, erradamente, chamou de revolução. Os militares ocuparam o poder, assim como o fizeram em quase toda a América Latina, naqueles fatídicos anos “60”, depondo um político eleito democraticamente pelo povo. Iniciava ali, os 20 anos da ditadura militar brasileira.

A renúncia
O cenário político internacional da época apresentava Estados Unidos e União Soviética travando uma queda de braços, em que cada um tentava impor ao mundo sua ideologia, respectivamente, capitalista e comunista, dentro da chamada Guerra Fria. Em 1959, a vitória da Revolução Cubana ganha a admiração da juventude latino-americana e aumentava o temor americano de uma guinada à esquerda na América Latina.
Em 1960, o Brasil elege Jânio Quadros, candidato apoiado pela UDN, para presidente da República, e João Belchior Marques Goulart, conhecido também como Jango, do partido trabalhista, aliado da esquerda, para vice. Jânio assume o cargo na mesma época que Kennedy vira presidente dos Estados Unidos.
Em 19 de agosto de 1961, Jânio Quadros condecora, em Brasília, o revolucionário Che Guevara com a “Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul”, a mais alta comenda do governo. O gesto foi considerado imperdoável para alguns setores das Forças Armadas.
No dia 25 de agosto de 1961, enquanto viajava pelo Leste Europeu e Oriente médio junto com a delegação brasileira para cumprir uma agenda econômica, Goulart recebe um telegrama pedindo a sua volta imediata para o seu país. De Cingapura, Jango soube da notícia de que o presidente Jânio Quadros havia renunciado.

O desafio de Jango
De volta ao Brasil, João Goulart deparou-se com uma crise política que havia se instalado no país após a renúncia de Jânio. Em meio a conspirações de ministros militares que tentavam impedir sua posse, finalmente, no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart foi empossado na presidência da República. Suas primeiras atitudes como presidente foram as de formular um programa que colocava como pontos centrais a defesa de reajustes salariais periódicos, compatíveis com os índices inflacionários, uma política externa independente, a nacionalização de algumas subsidiárias estrangeiras, e as chamadas reformas de base. Dentre essas propostas de Goulart, ganhava destaque a questão agrária.
Em abril de 1962 Jango viaja aos Estados Unidos na tentativa de buscar recursos financeiros junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e discutir os temas que vinham dificultando as relações entre os dois países. A missão foi infrutífera. De volta ao Brasil, Goulart tem que enfrentar graves problemas, como o aumento da inflação, a insatisfação da população e o afastamento do presidente do conselho de ministros que não partilhava das suas iniciativas.
No dia 6 de janeiro de 1963, cerca de 11.500.000, dos 18 milhões de brasileiros aptos a votar, compareceram às urnas para decidir sobre o tipo de regime político que o país deveria adotar. O resultado favoreceu o presidencialismo. Investido dos poderes de presidente, Goulart nomeou um novo ministério e passou a adotar uma série de medidas para tentar estabilizar a moeda.

A conspiração
Como se não bastassem todas as dificuldades na área econômica, Goulart passou a enfrentar um movimento conspiratório que, desde a sua posse, tramava a sua deposição. Sentindo-se isolado, o presidente começou a perder o controle político e militar da situação. Muitos oficiais graduados do Exército, que lhe eram fiéis, passaram a se juntar aos colegas insurgentes.
Numa última tentativa de conseguir aliados, Jango tenta reconquistar o apoio dos setores representados pelos sindicatos, ligas camponesas, entidades estudantis e partidos de esquerda como o PTB, PCB e Partido Socialista Brasileiro (PSB), únicos segmentos com os quais poderia contar naquele momento, tentando uma nova ofensiva rumo ao seu projeto nacional reformista. Por outro lado, os militares, liderados pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo Branco, implementam, no final do mês de janeiro, à revelia do presidente, um acordo militar com os Estados Unidos.
Esse acordo previa a necessidade de assistência ao Brasil para enfrentar ameaças, atos de agressão ou quaisquer outros perigos à paz e à segurança, conforme os compromissos assinalados na carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). Já em março de 1964, meses após a morte do presidente John Kennedy, o então secretário assistente de Estado para Negócios Interamericanos dos EUA, Thomas Mann, declararia, que "os Estados Unidos não mais procurariam punir as juntas militares por derrubarem regimes democráticos". Estava dada a senha para o golpe contra Goulart.
No dia 13 de março de 1964, João Goulart realizou um grande comício na Central do Brasil (Rio de Janeiro), onde defendeu as Reformas de Base. Naquela oportunidade, Jango prometia mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país. Cerca de 200 mil pessoas acompanharam o discurso.
No dia 19 de março, os conservadores representados pela classe média, Igreja Católica e setores da direita brasileira organizam a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reunindo milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo. Desde então, a agitação contra Goulart ganhou força e uniu contra seu governo proprietários de terras, interesses norte-americanos que conspiravam através da embaixada, e a maioria das forças armadas.
No dia 20 de março, Castelo Branco lançou uma circular reservada aos oficiais do estado-maior e das suas organizações dependentes, alertando a oficialidade para as ameaças que as recentes medidas de Goulart traziam. O cenário para o golpe já estava construído, e o seu desfecho contava com forte apoio dos Estados Unidos dentro da operação “Brother Sam”. - Documentos do serviço secreto norte-americano, revelados recentemente, dão conta de que às vésperas do golpe, uma força-tarefa, formada pela Frota do Caribe, contendo dois porta-aviões e aeronaves de guerra, se dirigiu à costa brasileira, com a ordem de invadir o país, caso as tropas fiéis a Jango resistissem.

O golpe
Na madrugada de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª. Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. Tenentes das Forças Armadas tomam o Ministério da Guerra. No Congresso Nacional, a sessão de primeiro de abril passa da meia noite, em meio a muito tumulto. Do Palácio do Planalto, ministros comunicam por escrito que Jango não havia deixado o país. Quando este vai ser lido no plenário, a energia é cortada.
Na noite do dia 1º de abril, Jango viajou para o Rio Grande do Sul com o objetivo de organizar a resistência e defender o poder legal. Contudo, já em Porto Alegre, Goulart decidiu-se por deixar o país, ao reconhecer que lutar para manter o governo significaria desencadear uma guerra civil.
Na madrugada de 2 de abril, o então presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República, alegando que João Goulart tinha saído do Brasil. Mas foi só no dia 4 de março que Jango desembarcou no Uruguai em busca de asilo político.

No exílio
Em agosto de 1964, deposto e exilado no Uruguai, João Goulart publica, numa revista de esquerda, um manifesto que acabou sendo lido na íntegra no plenário da Câmara dos Deputados. No texto, Jango destaca seu perfil “liberal” e “cristão” para se distanciar do estigma de comunista que tentaram lhe impor: “Hoje, lançam contra mim toda a sorte de calúnias. Sei que continuarão a injuriar-me. Mas o julgamento que respeito e que alguns temem é o do povo brasileiro”, escreveu Jango, para quem a imprensa da época teve um papel crucial no golpe.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sobre as manifestações e a elite brasileira



Segundo o Datafolha, 51% da população do Rio que ganha até 2 salários é contra protestos. Já entre o segmento mais rico, que ganha mais de 10 salários, a situação é inversa: 71% é a favor.

Há certas constatações nas manifestações do Brasil que derrubam mitos e remontam fatos históricos. Um deles diz respeito aos motivos que levaram e levam milhares de pessoas às ruas. Tudo começou com um aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus urbanos da capital paulista, e que ganhou a solidariedade de todo o povo brasileiro depois da truculência usada pela polícia na tentativa de conter os protestos. Em apoio a eles, a população de outros estados vai às ruas e transforma um protesto local em um movimento nacional.

O sentimento de que o “gigante” havia acordado suscitou entre as massas um dilema: Afinal, o movimento é grande demais para brigar por “apenas 20 centavos”. Agregou-se, então, a essa luta uma causa historicamente necessária: Reformas urgentes no nosso ultrapassado sistema político-partidário e em tudo de ruim que dele emana. O alvo não era, portanto, denominações políticas ou bases ideológicas, mas a forma como a política vem sendo feita no país, desde a instalação da república, no final do século 19, ou mesmo antes dela, no período imperial.

Pessoas de todos os partidos, de todas as ideologias e classes se envolveram nesse grande movimento por mudanças. Mas há aí um fator bastante peculiar. As elites, consideradas reacionárias, por se oporem a grandes mudanças, que, de certa forma, possam por em risco a sua posição, começaram a apoiar as manifestações, possivelmente concluindo que elas possam atingir o governo atual. Por outro lado, a grande mídia, que também faz oposição, abandona sua fiel posição de voz retumbante das elites, para tentar manchar o movimento. Afinal, ela também passou a ser vítima dele.

Um fato interessante se deu no jogo de abertura da Copa das Confederações, quando a presidente Dilma foi vaiada durante sua fala. Muitos tentaram ligar esse comportamento à indignação daqueles que estavam nas ruas. Equivocaram-se na minha opinião. Ora, se considerarmos que o preço dos ingressos eram extremamente altos para aqueles que lutavam contra um aumento de 20 centavos nas passagens, constata-se que estavam ali pessoas com alto poder aquisitivo; se considerarmos que uma das bandeiras do movimento era contra a copa, então, os verdadeiros manifestantes não iriam àquele jogo; se considerarmos que a mesma presidente deu o chute inicial e discursou durante a reinauguração de vários estádios do país, durante clássicos regionais, sem uma vaia sequer, conclui-se que quem a vaiou foram pessoas da elite.

A verdade é que, historicamente, as elites sempre se apropriaram de movimentos legítimos, nascidos do seio da população. Isso ocorreu durante a Revolução Francesa, na Rússia Menchevique e Stalinista, e no próprio Golpe ocorrido no Brasil em 1964. A diferença é que, nessa época, por aqui, as massas não foram às ruas. Pelo contrário, havia esperanças de reformas importantes no país durante o governo Jango. Quem verdadeiramente saiu às ruas foram as elites, dentro do movimento “Família com Deus pela Liberdade”, motivadas pelo “medo do avanço comunista”, pelo reestabelecimento da “ordem pública” (Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência), e por um certo, digamos, dedinho dos EUA. A ação militar naquele movimento acabou ganhando a complacência das massas, alienadas pela adesão da Igreja Católica.

No caso das manifestações 2013/2014 do Brasil, algumas particularidades têm colocado em xeque a eficácia dos protestos em relação aos seus objetivos. Uma delas diz respeito à entrada do movimento Black Bloc, que tem sua ideologia calcada no anarquismo, o que não coaduna com o pensamento da maioria dos manifestantes e da própria população. Outra está na forma como eles protestam, ou seja, com o rosto coberto e destruindo patrimônio público e privado, tendo como agravante a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes e a denúncia de que são pagos para fazerem arruaça. O que dá subsídio para a mídia tentar demonizar o movimento.

A conjuntura atual mostra que esse é um momento crucial na história do Brasil, com a população pedindo mudanças às vésperas de um grande evento, em que os olhos do mundo estarão voltados para o país, e das eleições para presidente, governadores e o parlamento. Por outro lado, há o risco do movimento se deslegitimar por causa da violência que a ele vem sendo agregada. Em meio a isso, vê-se uma mídia entre a cruz e a espada, por ver que as manifestações podem dar força à sua tentativa de tirar do poder a legenda atual, mas, ao mesmo tempo, pode colocar em risco uma copa do mundo, que lhe rende rios de dinheiro. Por isso, é claro, há uma lei sendo discutida no Congresso com o objetivo de classificar como terrorismo alguns atos adotados durante as manifestações. Isso talvez venha resolver o dilema da grande mídia e das elites, que querem ver o circo pegar fogo, mas sem que isso comprometa o seu espetáculo.