quarta-feira, 25 de novembro de 2015

ENCONTRO DEBATE CAMINHOS DO JORNALISMO

Luis Nassif avaliou a cobertura política da mídia. - Foto Luciano Soares
Juca Kfouri, João Rodarte e Domingos Meirelles falam sobre ética na profissão. - Foto  Luciano Soares

Os jornalistas Luciano Soares e Domingos Meirelles, durante encontro em Tiradentes.

José Paulo Kupfer, do Estadão, e Miriam Leitão, da Globo, debatem a cobertura da crise. - Foto  Luciano Soares


Foi realizado nos dias 13 e 14 de novembro, na Pousada Brisa da Serra, em Tiradentes, o 1º Encontro de Jornalistas, com nomes de peso da imprensa nacional, como Audálio Dantas (ex-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ), Luis Nassif (Dinheiro Vivo), Marcelo Beraba (O Estado de S.Paulo), Domingos Meirelles (TV Record), Vera Guimarães (Folha de S.Paulo), Juca Kfouri (Folha de S.Paulo, UOL e CBN), Richard Rytenband (Record News), Miriam Leitão (Globo / CBN), José Paulo Kupfer (O Estado de S.Paulo), entre outros, com o objetivo de debater os caminhos do jornalismo no Brasil. A política, a ética, a crise e a tragédia de Mariana estiveram na pauta dos debates.

O evento foi divido em quatro mesas, que debateram temas como Política, Ética, Economia e os destinos do jornalismo. Na primeira delas, Luis Nassif, Marcelo Beraba e Heron Guimarães, do jornal O Tempo, mediados por Gustavo César de Oliveira, da Revista Viver Brasil, debateram a cobertura política dentro da atual conjuntura do país. Nassif foi contundente ao criticar o controle político das redações e a falta de isenção nas coberturas, que estariam sendo usadas como instrumentos políticos. O jornalista deu o exemplo da abordagem que a imprensa tem dado à situação política do país, priorizando ataques ao Partido dos Trabalhadores (PT) e livrando outros partidos e políticos, como Aécio Neves, um dos principais nomes da oposição ao governo federal.

Como exemplo, Nassif disse que o Ministério Público Federal, por meio do procurador geral, não endossou uma denúncia vinda do doleiro Alberto Youssef, em relação a Furnas: “Você tinha detalhes: 150 mil dólares, que ia através da Bauruense (empresa fornecedora de Furnas) para a conta da irmã do Aécio. Tem na gaveta do procurador geral, desde 2010, um inquérito do Rio de Janeiro de uma conta offshore (aberta em paraíso fiscal) tendo como beneficiários o Aécio e familiares. Você pergunta: por que é que não entrou nisso? (...) Então, quando você tem todo o foco num partido só, você está interferindo politicamente, você está desequilibrando o jogo político”, ponderou ele.

Sobre a cobertura da crise, José Paulo Kupfer disse que o pensamento mais conservador domina 85% das fontes ouvidas nas editorias de economia dos maiores jornais do Brasil (Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo). “É uma cobertura parcial. De um lado só. A economia não é uma ciência exata. A política econômica menos ainda, mas os saberes e as visões, e a maneira de encarar os fenômenos econômicos têm viés, tem lado. A gente não está cumprindo direito essa função de mostrar os dois lados, para que o leitor, o telespectador ou internauta possa ter uma visão integrada e mais abrangente do que está acontecendo na cobertura de economia”, disse Kupfer.

Para Domingos Meirelles, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o quadro de intolerância, do ponto de vista do controle da informação, existe. Para ele, o maior combate que se trava hoje não é só no Iraque, na Síria, nem no Afeganistão, mas também aqueles que ocorrem, silenciosamente, nos fechamentos das redações, sejam de mídia impressa e de televisão. “Quando a gente fala muito em ética e moral são, na verdade, conceitos um pouco elásticos para um determinado padrão de realidade – e no caso, estamos discutindo o ambiente jornalístico – isso não significa que nós sejamos obrigados a abrir mão dos nossos valores, dos nossos princípios, e nos submeter às diretrizes, ao calendário ou à liturgia de cada jornal”, afirmou Meirelles.

Para Juca Kfouri, não existe um decálogo da ética, “até porque, a ética varia”. “A ética não é a mesma em tempo de guerra e em tempo de paz. Como não é própria a ética de quem está cobrindo (o fato) em tempos de guerra e em tempos de paz”, falou ele. Juca leu um texto do jornalista Cláudio Abramo, segundo o qual “o jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão: o que é ruim para o cidadão, é ruim para o jornalista”. (...) “É evidente que o jornalista tem lado. E não deve esconder isso do seu leitor. O que o lado dele não pode é contaminar a cobertura que ele faça de um fato”, concluiu Kfouri.

Sobre a tragédia ocorrida em Mariana, José Paulo Kupfer disse que jornalismo falhou ao não prevê-la. “A função dele (do jornalismo) não é ficar procurando todas as mazelas que possam existir ou que possam vir a acontecer, mas a função dele é estar preocupado com esses assuntos e tentar mostrar e denunciar o que possa acontecer. (...) Não é possível que uma situação que levou a isso não fosse conhecida de algum ecólogo, de algum cientista ou de algum pesquisador e que os jornalistas não tenham tido essa questão como pauta, para tentar antecipar a tragédia”, avaliou ele.

Miriam Leitão disse estar encontrando dificuldade para realizar o trabalho jornalístico sobre a tragédia, dada a indignação que o fato teria provocado nela. A jornalista disse que esteve no local para conhecer um projeto do fotógrafo Sebastião Salgado, por meio do qual se busca recuperar nascentes de água, que a teria enchido de otimismo, até o desastre acontecer. “Eu saí dessa matéria sonhando com a vida, e nesses últimos dias, estou vendo morte do Vale, do meu Vale, do Vale onde eu nasci”, disse Miriam, que é mineira de Caratinga, município localizado na região do Vale do Rio Doce.

O jornalista Luciano Soares, editor da revista Viva Bem e editor-adjunto da GAZETA DE MINAS, participou do encontro e fez suas considerações sobre o evento: “Foi um momento importante para o jornalismo brasileiro. Uma oportunidade dele encarar a si mesmo, de fazer autocríticas e expor questões que ocorrem no dia-a-dia, mas que não são colocadas em debates. O interessante é que ali estavam os profissionais de comunicação que estão na linha de frente da imprensa brasileira, ou seja, os verdadeiros operários da notícia. E pelo que foi exposto, nem todos estão de acordo com o que tem ocorrido nas redações e nas coberturas jornalísticas, que, por sua vez, têm seguido por caminhos tortuosos, traçados por interesses econômicos e políticos. A mídia brasileira vive uma crise de credibilidade, denunciada diuturnamente nas redes sociais. É o momento de repensar o jornalismo e de estabelecer novos rumos, do contrário, ele se auto-exterminará, ao persistir em erros que parece não querer corrigir, cedendo às pressões do mercado e da política, em detrimento da boa informação”.




IGREJA PEDE PERDÃO AOS CONGADEIROS


Padre Diovanny ajoelha-se para pedir perdão aos congadeiros.

As portas da Catedral Nossa Senhora de Oliveira ainda estavam fechadas, quando o primeiro terno subiu suas escadas. No último degrau, que antecede a entrada principal do templo, o capitão do grupo começou a cantar, sob os olhares ansiosos de quem estava ali para testemunhar a história: “No tempo do cativeiro, era branco que mandava. Quando branco ia pra missa, era negro que levava. Branco entrava pra dentro e negro lá fora ficava. E se negro reclamasse, de chiquirá ele apanhava. Negro só ia rezar quando na senzala chegava. Ai que dó... Ai que dó... Jesus Cristo está no céu, amparando todas as almas desses pobre negro sofredôoo...”.

Seu canto triste parecia descrever o lamento de um povo que enfrentou todas as agruras de um tempo cruel, ao ser arrancado de sua casa, de sua terra, de sua gente, e jogado no porão escuro de um navio, entre ratos, correntes, fome e frio. Sua voz parecia ecoar as dores provocadas pelas chibatadas, cem vezes repetidas, até que a submissão e o fim de uma liberdade, que sequer havia deixado a adolescência, fossem por eles aceitas.

O Reinado do Congado nada mais é do que uma tentativa de reviver as monarquias de além-mar, numa homenagem do povo negro à Coroa africana, como a Galanga, rei do Congo, que no Brasil virou Chico Rei, um herói para aqueles que foram transformados em escravos. A Festa do Rosário é um ato religioso em celebração aos santos padroeiros, que aqui - provavelmente para serem aceitos - ganhou a representação de Nossa Senhora Aparecida, São Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Rosário.

Por não terem onde manter as imagens de seus santos na cidade, eles construíram, em Oliveira, em período anterior a 1840, a Capela do Rosário, onde também eram realizadas as primeiras reuniões da Câmara Municipal. Mantido pela Irmandade de mesmo nome, o pequeno templo aglutinava toda a fé de um povo que encontrava na dança e no rufar de seus tambores a força para suportar a própria existência. Os tempos que pareciam oxigenados pelo direito universal de crença chegaram ao fim, quando uma ordem expressa proibiu as manifestações de origem africana em Minas Gerais. O que parecia ruim tornou-se pior, quando em 1929, a pequena igrejinha do Rosário, construída pelos negros ainda escravos, foi demolida. Em seu lugar foi erguida a Catedral de Nossa Senhora de Oliveira, conhecida como Igreja Nova, considerado ainda o maior templo católico da cidade.

Passaram-se os anos e os congadeiros ganharam novamente a permissão de realizarem a festa. O Boi do Rosário saiu pelas ruas da cidade anunciando o recomeço do Reinado, os mastros, com as bandeiras de cada santo padroeiro, foram reerguidos e os tambores voltaram a ecoar ao sabor dos ventos de setembro. A felicidade estaria de volta em sua plenitude às pernas saltitantes dos catopés, moçambiques e vilões, se não fosse por um detalhe: a igrejinha do Rosário não existia mais, e, por muitos anos, não lhes foi permitida a entrada no novo templo, erguido sobre suas ruínas. Há relato de um Missa Conga celebrada na Catedral em 1995, mas desde então, as celebrações vinham sendo realizadas na Matriz de São Sebastião, no bairro de mesmo nome.

No último domingo, 6 de setembro, 86 anos depois da demolição da Capela do Rosário, o atual pároco da Catedral, padre Diovanny Roquim Amaral reabriu as portas do templo para a celebração da Missa Conga, e de joelhos, pediu perdão aos congadeiros: “Gostaria de me ajoelhar pedindo perdão. Perdão por aqueles que tiraram a Capelinha do Rosário daqui. Perdão por aqueles que marcaram essa Igreja e falaram: ‘Não, não vai ser mais a capela do Rosário, será a Igreja Nova de Oliveira’. Mais uma vez, passava pelo coração de vocês que estavam de novo fora da Igreja. (...) A palavra de Deus nos acusa. Acusa os bispos, acusa os padres, acusa-nos a consciência. Por isso, eu quero pedir perdão. Perdão porque sinto que na casa de Deus todos precisam entrar. Sinto que na casa de Deus é lugar do pobre, do rico... porque Deus não faz distinção de pessoas. Quero que essas palavras ressoem no coração de vocês: ‘Deus não faz distinção de pessoas’. Quero que vocês se sintam acolhidos aqui também nessa Igreja Nova, nessa igreja de Nossa Senhora de Oliveira, na igreja que queremos colocar nos altares ‘as imagens de Nossa Senhora do Rosário’ para que nunca seja esquecido que aqui começou essa festa, que aqui começou a devoção à nossa Senhora do Rosário, em Oliveira”, disse padre Diovanny, sucedido por uma salva de palmas.

Dos olhos dos congadeiros, principalmente dos mais velhos, escorriam lágrimas que pareciam lavar a alma e aliviar o aperto que as mágoas causavam em seus peitos. Até mesmo os fiéis que não participavam da Festa, choraram. O som dos tambores parecia levar a boa nova aos negros do Rosário que acompanhavam a missa de um plano espiritual. O que parecia sólido desmanchou-se no ar numa fração de segundo. O peso daqueles longos anos se desfragmentou e saiu, leve, pela mesma porta que permitiu a entrada da tolerância e do perdão.

*Texto e fotos Luciano Soares.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

7 DE SETEMBRO: UMA HISTÓRIA MAL CONTADA



Quais os passos que um homem precisa dar para tornar uma nação independente? O primeiro é amar a liberdade. O segundo é desobedecer ao rei. Assim o fez Joaquim José da Silva Xavier, o alferes, conhecido como Tiradentes, líder de um movimento denominado Inconfidência Mineira (inconfidência quer dizer falta de fidelidade ao rei), que lançou-se à luta, movido por boas doses de revolta, amor à liberdade e desobediência civil. A partir dele e de seus companheiros, Minas Gerais dá os primeiros passos para tornar o Brasil independente de Portugal.

Na época, o movimento foi deflagrado e seus líderes foram presos e enviados para o Rio de Janeiro. Todos negaram participação, menos Tiradentes, que assumiu sua liderança. Após decreto de dona Maria I, é revogada a pena de morte dos inconfidentes, exceto a de Tiradentes, o inconfidente de mais baixa condição social. Sua cabeça foi cortada e levada para Vila Rica. O corpo foi esquartejado e espalhado pelos caminhos de Minas Gerais.

Mataram a flor, mas não detiveram a primavera. Nove anos depois, iniciava-se na Bahia a Revolta dos Alfaiates, também chamada de Conjuração Baiana, cujas causas eram a proclamação de uma república no Brasil e a abolição da escravatura. O movimento baiano também foi controlado pelo governo e suas lideranças populares executadas por enforcamento, enquanto os membros mais abastados foram absolvidos.

Outros movimentos de emancipação continuaram a acontecer pelo país, como a Conjuração do Rio de Janeiro, em 1794, a Conspiração dos Suaçunas em Pernambuco (1801) e a Revolução Pernambucana de 1817.
Todas essas revoltas, apesar de contidas, foram determinantes para enfraquecer o colonialismo e impor objetivos republicanos. A partir delas, constata-se e reafirma-se a tese de muitos historiadores de que a independência do Brasil não se resume ao Grito do Ipiranga, ilustrado pelo famoso quadro de Pedro Américo, quando Dom Pedro I, com a espada em ao alto, bradou “Independência ou Morte!”.

Fatos que poucos sabem

Além dessas, há outras nuances importantes a serem consideradas sobre a independência do Brasil, uma delas reside na abertura dos portos, em 1808, quando foi rompido o pacto colonial e atendidos os interesses da elite agrária brasileira, que passou a estabelecer uma relação comercial de peso com a Inglaterra.
Quando dom João VI retornou para Portugal, ocorreu uma aproximação do seu filho dom Pedro com a aristocracia rural brasileira, que aproveitou da oportunidade para encaminhar a independência do Brasil, com o cuidado de não afetar seus privilégios, entre eles, o latifúndio e escravismo. Dessa forma, a independência foi imposta verticalmente. Para os ruralistas, era necessário o fim da colônia, mas, ao mesmo tempo, essa mudança não poderia ganhar um caráter revolucionário, como aquele que marcou a libertação dos países da América do Sul do domínio espanhol, já que isso, evidentemente, ameaçaria seus privilégios.

A já formada burguesia brasileira, composta por aristocratas, monarcas e políticos, tenta convencer dom Pedro a permanecer no Brasil, já que a sua partida poderia significar a perda das rédeas do país e até redundar numa guerra civil. Um trecho do Hino à Independência remete a isso: “Ressoavam sombras tristes da cruel Guerra Civil, mas fugiram, apressadas, vendo o Anjo do Brasil”. De acordo com Laurentino Gomes, em seu livro 1822, o medo de uma rebelião dos cativos assombrava a minoria branca como um pesadelo. “O isolamento e as rivalidades entre as diversas províncias prenunciavam uma guerra civil, que poderia resultar na fragmentação territorial, a exemplo do que já ocorria nas colônias espanholas vizinhas”, escreveu Gomes.

Um abaixo assinado de oito mil assinaturas foi levado por José Clemente Pereira (presidente do Senado) a dom Pedro, em 9 de janeiro de 1822, solicitando sua permanência. Cedendo às pressões, dom Pedro decidiu-se: "Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto. Diga ao povo que fico".

Para boa parte dos historiadores, dom Pedro decidiu ficar bem menos pelo povo e bem mais pela aristocracia, que o apoiaria como imperador, desde que a futura independência não alterasse a realidade sócio-econômica colonial. Ainda no livro “1822”, Laurentino lembra que na véspera de sua independência, de cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Os analfabetos somavam 99% da população. Os ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes.

Em 13 de maio de 1822, a maçonaria e o Senado concedem a dom Pedro o título de Defensor Perpétuo do Brasil. Em 3 de junho foi convocada uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, e em primeiro de agosto, considerou-se inimigas as tropas portuguesas que tentassem desembarcar no Brasil. A essa altura, diante da sequência de fatos revoltosos, Portugal ameaça enviar tropas, caso o príncipe não retornasse imediatamente.

Problemas intestinais

Ainda na obra de Laurentino Gomes, o autor conta que no dia 7 de setembro de 1822, Dom Pedro, já às margens do riacho Ipiranga, em São Paulo, sofria com dor de barriga, provavelmente causada por um alimento mal conservado que havia consumido. Por causa disso, vez por outra, precisava apear da “bela besta baia”, como a descreveu um padre que o acompanhava, bem diferente do “fogoso alazão” da tela de Pedro Américo, para alivia-se no “denso matagal que cobria a margem da estrada”. Mas isso não o impediu de bradar o famoso “Independência ou morte! Estamos separados de Portugal".

Já no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1822, Dom Pedro foi aclamado Imperador Constitucional do Brasil e o país se tornava independente de Portugal.

As bases sócio-econômicas, como o trabalho escravo, a monocultura e o latifúndio, que representavam a manutenção dos privilégios da aristocracia, permaneceram inalteradas.
(Fontes: Livro 1822, de Laurentino Gomes; Histórianet.)

*Por Luciano Soares.