quinta-feira, 2 de maio de 2013

Entrevista Especial: A saga de Maria Prestes



De passagem por Oliveira para lançar a terceira edição do seu livro “Meu companheiro – 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes”, Maria Prestes, viúva de um dos maiores líderes comunistas do Brasil, com quem teve sete filhos, concedeu entrevista ao jornalista Luciano Soares. Nessa conversa, ela conta um pouco da saga de sua família, fala também da Coluna Prestes, das perseguições, das lutas, do exílio na Rússia e do livro que lançou na Casa da Cultura Carlos Chagas. Durante sua estadia na cidade, a escritora visitou escolas, conversou com a imprensa e visitou a Câmara dos Vereadores, onde recebeu um voto de aplauso, proposto pelo vereador Lucas Abdo (PRTB). No lançamento do livro, Maria Prestes recebeu homenagens de setores ligados à educação e à cultura, e foi surpreendida pelos estudantes Diego Pugas e Stevan Gaipo que usaram da palavra para pedir desculpas a ela, por sua geração não estar sabendo usar a liberdade e a democracia pela qual ela tanto lutou ao lado de seus companheiros. “É vergonhoso saber que existe pessoas com a história da senhora e a nossa geração considerar o Neymar um herói nacional”, falou Gaipo.

Luciano - Como a senhora se tornou uma comunista?
Maria Prestes - Nasci no Recife, com o nome de Altamira Rodrigues Sobral. Sou filha de João Rodrigues Sobral ("Camarada Lima") e Mariana Ribas Pontes, ambos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com dez anos eu já trabalhava com meu pai no partido fazendo campanhas, solidariedade às famílias de presos políticos ou distribuindo materiais. Mais tarde passei a participar de comícios, manifestações, além de fazer ligações da organização partidária do PCB por todo o nordeste.

Luciano - Como a senhora conheceu Luiz Carlos Prestes?
Maria Prestes - A primeira vez que eu vi o Prestes foi em um comício no dia 13 de maio de 1945, quando ele saiu da prisão e foi candidato a senador. Eu era da Juventude Comunista e fui escalada junto com outros companheiros para fazer a segurança dele. Durante essa missão, nunca sequer falei com ele. Em 1947, quando ele teve o mandato cassado, assim como foi cassado o registro do Partido Comunista do Brasil, eu estava em Recife, quando o partido determinou que eu fosse para São Paulo ficar com meu pai que estava doente. E foi lá, no dia 4 de dezembro de 1952, que eu conheci Luiz Carlos Prestes de verdade.

Luciano - Houve um momento em que vocês precisaram deixar o país. Como isso ocorreu?
Maria Prestes - Em 1964, quando ocorreu o golpe no Brasil, nós vivíamos na clandestinidade. Nessa época precisei mudar meu nome para não ser descoberta. Durante seis anos tive minha casa vigiada, chegando a ser roubada e saqueada. O prestes não podia sair na rua, nem sequer falar alto. Nós estávamos vivendo da ajuda dos amigos* e estava ficando muito difícil, por isso eu resolvi migrar para a Rússia. Foi complicado, pois alguns dos meus filhos não possuíam documentos. Precisei fazer uma lista de pessoas que me conheceram com o Prestes para testemunharem que eram meus filhos e conseguir passaporte para eles. Em 1970 eu fui para Moscou sozinha com os dez filhos. O Prestes precisou pegar um avião até Buenos Aires, e de lá para a Rússia  
(*Um documento confidencial do Serviço Nacional de Informações, da época, mostra que uma das pessoas que colaborava financeiramente com a família Prestes era o ator Mário Lago. Luiz Carlos Prestes também tinha o apoio de artistas como Pablo Neruda, Garcia Lorca, Oscar Niemeyer e Jorge Amado).

Luciano - Como foi a vida de vocês na União Soviética?
Maria Prestes - Na Rússia nós vivemos muito bem. O governo deu tudo que a gente precisava. Tínhamos até carro à disposição. Os dirigentes do partido queriam colocar meus filhos em escolas especiais, mas eu não aceitei. Eles foram para as escolas onde os filhos dos trabalhadores estudavam e foi muito bom pra eles. Eu acho que escolas particulares ou especiais já é uma divisão de classes. Outra coisa que eu fazia questão era que falássemos português em casa, para que eles não esquecessem o idioma brasileiro, e isso ajudou muito, porque quando nós voltamos para o Brasil eles não tiveram muita dificuldade com a língua. Naquele país nós vivemos durante dez anos e só retornamos ao Brasil no final dos anos 1970, quando o presidente Figueiredo deu a anistia.

 Luciano - Qual é o perfil de um homem que percorreu 25 mil quilômetros de norte a sul, e de leste a oeste, desse país, à frente da Coluna Prestes?
Maria Prestes - Uma pessoal obstinada por um ideal; um líder comunista; uma liderança no Brasil; que fez a marcha da Coluna Prestes; que conhecia cada pedaço de chão desse país; que sempre defendeu suas ideias; coerente com seus pensamentos; um homem que nunca se vendeu ou corrompeu. Você não vai encontrar na vida de Luiz Carlos Prestes indícios de que ele fez algum compromisso espúrio com alguém. Aprendi e convivi com um homem que valorizava o trabalho da mulher, que fazia questão de dar atenção, de ensinar, de atentar as pessoas sobre a necessidade de estudar, de buscar o conhecimento, de contestar e participar da vida política do país ou do lugar onde vivi.

Luciano - Um dos episódios mais polêmicos na vida de Luiz Carlos Prestes ocorreu quando ele subiu no palanque, ao lado de Getúlio Vargas, homem que entregou sua ex-mulher para os alemães, e que mais tarde viria morrer em um campo de concentração. Porque ele teria tomado essa atitude?
Maria Prestes - Porque o Prestes nunca colocou suas questões pessoais acima da luta em defesa do povo brasileiro.

Luciano - A senhora ainda enxerga o socialismo como um sistema ideal de governo?
Maria Prestes - Sim. Não o socialismo como eu conheci, mas de uma forma que possa resolver os problemas sociais de hoje. Em Moscou, quando eu morei lá, o trabalhador pagava a sua moradia com 10% da sua renda. Havia cooperativas voltadas para a alimentação. A educação era da melhor qualidade. Você colocava a criança na escola de manhã e pegava à tarde. Os que estudavam em meio horário dedicavam-se a estudar àquilo que eles tinham interesse, como pintura, mecânica, ginástica, culinária, etc, e só voltavam para casa quando os pais retornavam do trabalho. Tudo isso era de graça e todos tinham direito. Você não via crianças lavando carro, engraxando sapato ou pedindo esmola. (Infelizmente eu visitei Moscou há dois anos e já vi isso lá). Estive em Cuba também em algumas oportunidades e pude perceber como foram determinantes as políticas sociais naquele país. As escolas de lá são um exemplo e os hospitais parecem hotéis de cinco estrelas aqui. Então, eu acho que habilidade e jeito de transformar e mudar uma situação a gente pode, mas precisa ter interesse em fazer.

Luciano - A senhora está percorrendo o Brasil e a América Latina relançando o livro Meu Companheiro – 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes, de sua autoria. Do que trata o livro?
Maria Prestes - No livro eu não trato muito do lado político, falo mais do lado humano do Prestes. Um homem com quem vivi durante quarenta anos e tive sete filhos (soma-se a eles dois filhos do primeiro casamento e Anita Leocádia Prestes, filha de Olga Benário com Prestes). O livro é bilíngue, com texto em português e espanhol, com o objetivo de atingir os países da América Latina, que sabem quem foi Luiz Carlos Prestes, mas conhecem mais sua história política. O livro traz também um pouco da minha biografia, desde a infância e os altos e baixos que eu tive na vida.

Luciano - Recentemente a senhora doou alguns documento relativos à vida do Prestes para o arquivo Nacional. Porque a senhora resolveu fazer isso agora?
Maria Prestes - Doei documentos que estavam sob meu poder para um museu em Campinas e outros, que solicitei da Rússia, para Brasília. Eu não acho que tenho que manter esses arquivos em casa, a história do Prestes pertence ao povo brasileiro, por quem ele tanto lutou. Esses documentos revelam que o ideal dele era sempre lutar pelo bem estar do Brasil, defendendo a riqueza, o patrimônio, a soberania nacional, a reforma agrária, uma educação decente e melhores condições de vida para os brasileiros. Esses documentos incluem cartas de amigos, de embaixadores e autoridades. É uma forma de dar oportunidade aos historiadores e pesquisadores de descobrirem quem foi o Cavaleiro da Esperança.

Luciano - Como a senhora vê a Comissão da Verdade, lançada pela presidenta Dilma para investigar os casos de torturas e assassinatos ocorridos durante a ditadura militar no Brasil?
Maria Prestes - Vejo como uma forma legítima de mostrar quem foram aqueles personagens que torturaram e mataram pessoas na época da ditadura. Não que eu queira revanche, não estou interessada nisso. Quero que o país saiba que são esses indivíduos, que não podem ser considerados nem seres humanos. Fazer o que fizeram com companheiros nossos não é justo. Até hoje ainda tem famílias que não sabem o que aconteceu com seus entes. Recentemente foi descoberta uma fazenda em campos, onde havia um crematório, cujo fazendeiro, que diz que virou pastor, resolveu falar. Segundo ele, ali comunistas eram esquartejados e suas partes eram dependuradas como se fosse carne de boi, e que depois eram incineradas.

Sugestões de leitura:

“O Cavaleiro da Esperança - Vida de Luís Carlos Prestes” - Editora: Companhia das Letras - Autor: Jorge Amado

“A Coluna Prestes: marchas e combates” - Editora: Alfa-Omega - Autor: Lourenço Moreira Lima

“Anos tormentosos - Luís Carlos Prestes: correspondência da prisão” - Anita Leocádia Prestes - Editora: Vozes.

“Meu companheiro: 40 anos ao lado de Prestes” - Maria Prestes - Editora: Rocco

E ainda o vídeo-documentário “O velho - A história de Luís Carlos Prestes” Direção: Toni Venturi Roteiro: Di Moretti Narração: Paulo José