terça-feira, 22 de abril de 2008

A notícia como produto

O jornalista José Arbex Jr é autor do livro Shownalismo: A Notícia Como Espetáculo, uma obra publicada há alguns anos, mas que se atualiza a cada dia: “Platéia em silêncio. Por todo o circo ecoa a conhecida e hipnótica música, voltando a atenção dos presentes para o picadeiro. Sob a luz dos holofotes, entram em cena os palhaços. O público aplaude de pé. Trajando ternos impecáveis - dá até vontade de ser como eles -, os palhaços começam a descarregar na platéia milhares de informações; todas ao mesmo tempo; tudo novidade. Sem parar para processar, armazenar ou averiguar os fatos narrados em outras fontes, os "consumidores" já recebem mais notícias, e mais, e mais; não há limite. Na verdade esse show nunca termina porque a notícia nunca pára. Enquanto isso, a platéia ri sem saber o porquê.”
O jornalismo também entrou na onda do Ibope, a audiência passou a pautar as redações de jornais. Suitar virou moda – Suíte, no jornalismo, é uma matéria que dá seqüência ou continuidade a uma notícia, seja por desdobramento do fato, por conter novos detalhes ou por acompanhar um personagem - principalmente se a coisa vem dando audiência, como é o caso da menina Isabella Nardoni. Na era de Big Brother, acompanhar passo a passo os desdobramentos de um caso polêmico como esse, e da vida real, para muitos, é melhor que assistir à novela das oito.
Nas últimas semanas o telejornalismo brasileiro seguiu uma só cartilha nas suas reuniões de pauta, por ordem de “relevância” (o que se pode entender audiência) entravam: “Caso Isabelle”, “Epidemia de Dengue no Rio de Janeiro” e “Enchentes no Nordeste”. Por incrível que pareça inverteu-se a ordem do grau de relevância da informação. É claro que um caso trágico como esse, envolvendo a morte de uma menina de cinco anos, não poderia ficar de fora da pauta dos grandes jornais brasileiros, mas a notícia foi dada, levantaram-se as suspeitas e as possibilidades, agora cabe aguardar os laudo da polícia e o desfecho do caso.
Pelo menos 34 pessoas já morreram a última terça-feira no nordeste por causa das chuvas. Cerca de 390 mil pessoas foram atingidas e teme-se que a situação fique pior por causa da proliferação de doenças. No Rio de Janeiro já foram 83 mortes até agora, 51 só na capital. E tudo isso fica em segundo plano porque tem uma repórter ao vivo na porta da casa dos Nardoni para contar que uma amiga da família entrou pelo portão da frente com mantimentos e pães.
O jornalismo brasileiro passou a comunicar com uma massa alienada produzida pelas novelas e por programas de reality show. Pessoas facilmente manipuláveis e que sequer têm condições de interpretar uma notícia, e por isso mesmo a grande mídia interpreta para elas à maneira que lhes convém. O Brasil vem seguindo uma cultura globalizada ditada pelos Estados Unidos. Importamos deles programinhas enlatados para as nossas TVs e mentiras para os nossos jornais. O Tio San tem o poder de espalhar informações pelo mundo, por meio das suas agências internacionais de notícias, conforme os seus interesses políticos e econômicos.
Falando da Guerra do Golfo, por exemplo, Arbex Jr. mostra detalhadamente em seu livro como os Estados Unidos encobriram a realidade e manipularam o mundo, que passou a considerar os islâmicos como o "lado mau" do jogo. Notícias tendenciosas e até filmes que denegriam a imagem dos islâmicos foram usados para tachá-los de vilões. E assim vem acontecendo em toda a América Latina, onde as informações são quase todas pautadas pelas agências americanas. Que o digam Hugo Chaves e Evo Morales que passaram a ser atacado pela grande mídia após se oporem aos domínios estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos.
A notícia virou produto, e o direito à informação de qualidade foi esquecido. Dentro da lógica do capitalismo produto bom é o que vende, por isso vende-se a tragédia como uma produção diária. É preciso produzir informação para esse consumidor. Produtos com “Q” de qualidade. Por exemplo: a notícia de que entraram pães e frutas na casa dos Nardoni.

Luciano Soares

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O Filho é do PT, do PSDB ou da Veja?

Eis que surge mais um filho mal quisto na cena política brasileira e não se sabe até agora quem é o pai? O filho já tem nome: Dossiê do FHC. Por enquanto a única coisa que posso afirmar é que ele foi divulgado, em primeira mão, pela revista Veja. E assim foi também com relação àquele outro, às vésperas das eleições de 2006. Certo dossiê montado pelo PSDB, que por sua vez jogou no colo do PT e disse que era um dossiê do PT contra o PSDB o que mais tarde soube-se que não era do PT, mas do PSDB, diferentemente do que a revista divulgou.
Assim como em 2006, novamente a Veja traz reportagem polêmica envolvendo o governo apresentando documentos obtidos de fontes não reveladas e sem apresentar uma única prova. Esse tipo de procedimento tem virado rotina no semanário que cada vez mais é acusada de criar factóides para incriminar A ou B.
O premiado jornalista Luís Nassif está publicando em seu blog o que ele chamou de “Dossiê Veja”: Trata-se de uma série de matérias que analisa a história da revista e os principais episódios protagonizados por ela. O trabalho é resultado de anos de pesquisa por meio do qual o jornalista faz um check-up do fenômeno denominado por ele de anti-jornalismo. Nesse dossiê o jornalista afirma: “O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico”. Em entrevista a revista Caros Amigos, Nassif fala que os diretores e editores da Veja descobriram que polêmicas envolvendo personagens conhecidos faz aumentar a vendagem da revista, e mesmo que a pessoa atingida entre na justiça e ganhe o processo, compensa pagar a indenização. “Você olha e vê prepotência, falta de escrúpulos, falta de respeito...”, diz o jornalista.
Desta vez a revista alega que teve acesso a um suposto dossiê que teria sido preparado pelo governo para intimidar a oposição na CPI dos Cartões Corporativos. O suposto dossiê traz informações sobre os gastos com suprimento de fundos durante o governo Fernando Henrique. Cita gastos com caviar, champagne, viagens e outras futilidades. Dizem os críticos da revista que o real objetivo da reportagem é acusar o governo Lula de chantagista e atingir a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), já que é um dos poucos nomes fortes que sobraram no governo para a sucessão de Lula. A revista diz com todas as letras que o documento ao qual teve acesso foi “construído dentro do Palácio do Planalto”, mas não apresenta nenhuma prova ou indício para sustentar estas afirmações.
Depois de mais um fenômeno nada insólito na política brasileira, em que parlamentares do PT e PSDB disputavam cargos na CPMI que investigará irregularidades nos governos dos próprios partidos, é chegada a hora do “toma que o filho é seu”. Tucanos acusam o governo de ter criado o tal Dossiê do FHC para contrabalancear a situação dos cartões coorporativos. Petistas acusam os tucanos de novamente estarem criando um dossiê contra eles mesmo, jogando a culpa no Palácio do Planalto para ficarem na posição de vítimas e desqualificar o governo.
Resta saber de quem é esse filho e, pior, quantos ainda virão. Em ano de eleição, com essa bipolarização da questão partidária no Brasil o nível vem correndo em níveis rasteiros. Mas quanto a isso não se pode generalizar, que o diga Minas Gerais, onde PT e PSDB acabam de fechar um pacto para apoiarem um candidato a prefeito do PSB, provavelmente um secretário do Governo de Minas. Ao que parece, Aécio pretende correr por fora. Em entrevista concedida à revista Carta Capital desta semana o governador diz: “Há um sentimento que carrego comigo há muito tempo de que nós precisamos mudar o eixo da política brasileira. Essa disputa absolutamente radicalizada, com o mero objetivo de alcançar o poder, tem sido nociva ao país”.
Bem, nessa peleja do “toma que o filho é seu”, em nível nacional, Minas Gerais tem usado preservativo e não quer saber de conversa. Mesmo assim o povo quer conhecer o danado do pai. Chamem a CPMI, chamem o Ministério Público, chamem o Ratinho. Afinal de contas, de quem será esse filho: do PSDB, do PT ou da Veja? A história nos contará.

*Luciano Soares