segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A serenidade faz o gênio


Certa vez, na faculdade de arquitetura, um professor nos incumbiu a tarefa de realizarmos uma série de seminários sobre vários arquitetos de todo o mundo. Uma lista deles foi apresentada e nela figuravam nomes de grandes gênios da arte de projetar, como Frank Lloyd Wright, Gregori Warchavchik, Le Corbusier, Antoni Gaudí, Walter Gropius, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Fez-se o sorteio entre os alunos para ver quem falaria de quem. Fui agraciado pela honra de discorrer minha apresentação sobre o brasileiro Oscar Niemeyer, que acaba de completar cem anos em plena atividade.
_ Niemeyer se formou em 1934. Seu primeiro local de trabalho foi o escritório de Lúcio Costa, aquele que é considerado “o pai espiritual do modernismo brasileiro”. Trabalhou de graça, pois sabia que ali estava a vanguarda da arquitetura do Brasil. Nascia naquele momento a parceria que perduraria por vários anos. Niemeyer ganhou a oportunidade de conhecer outro gênio da arquitetura ao ser designado por Lúcio Costa para ajudar Le Corbusier, de passagem pelo Brasil em 1936 para colaborar com o projeto do prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro.
Anos depois, em 1947, os dois voltariam a se encontrar,mas em posições opostas: Em Nova York, Niemeyer e Le Corbusier disputaram, com outros renomados arquitetos do mundo inteiro, o privilégio de projetar a sede da Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto vitorioso foi o do brasileiro.
Lê Corbusier e Lúcio Costa foram duas figuras de grande importância na vida e na carreira de Niemeyer, mas ambos não influenciaram diretamente no seu perfil criativo: “Le Corbusier foi importante, mas os traços dele eram diferentes, mais pesados. Ele fez o poema do ângulo reto. Eu, ao contrário, fiz a poesia da curva”, resume Niemeyer.
Em 1940 Niemeyer conhece o jovem político, candidato a prefeito de Belo Horizonte: Juscelino Kubitschek. Este, mais tarde, já como prefeito da capital mineira, lhe dá a tarefa de projetar a Pampulha. Construído em dois anos e meio, o bairro belorizontino firmou definitivamente a amizade entre Niemeyer e Kubitschek.
Em 1945 Oscar iria conhecer outro importante político brasileiro que tinha sua admiração: o líder comunista Luís Carlos Prestes. O encontro foi em 1945, quando Prestes saiu da prisão e o Partido Comunista Brasileiro foi legalizado. Niemeyer doa a casa que usava como escritório, na Lapa, centro do Rio, a Prestes, para que montasse ali o comitê metropolitano do Partido Comunista. “Disse que o trabalho dele era mais importante que o meu e cedi a casa onde estávamos.” Confirma Oscar.
Em 1957 Lúcio Costa vence o concurso nacional para o Plano Piloto de Brasília. Nesta época Juscelino Kubitschek procura o velho amigo na Casa das Canoas, pedindo que o ajude na construção da nova capital. Niemeyer projeta grande parte dos principais edifícios de Brasília, incluindo: o Congresso; os Palácios da Alvorada, da Justiça, do Planalto e dos Arcos; a Catedral; o "Minhocão" da Universidade de Brasília; o Teatro Nacional; o Memorial JK.
Suas obras se espalharam por vários países, e elas próprias o coroaram com o título de maior arquiteto vivo do mundo. O seu diferencial foi a audácia de dar leveza ao concreto, de atribuir curvas à sisuda arquitetura moderna e transformar toda a construção, da estrutura ao telhado, numa grande obra de arte.
Os riscos descompromissados que passeavam sobre sua prancheta nada mais eram que a transferência dos seus ideais de liberdade, bebidos diretamente na poesia e no profundo sentimento humanitário que leva dentro de si. Isso se confirma na sua militância política e na sensibilidade nata para aspirar a poesia e assoprá-la na arquitetura. Mais que viver, é preciso vivenciar e proporcionar grandes momentos à humanidade. O poeta das pranchetas soube muito bem fazer isso, porque o fazia com a serenidade de um gênio.

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