segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Algo estranho no ar

Há algum tempo venho assistindo matérias, no mínimo, suspeitas, nos telejornais de uma televisão brasileira. Seus temas vêm sendo estranhamente repetidos nos últimos meses. Muita gente deve ter acompanhado várias reportagens abordando o êxodo de cubanos rumo aos Estados Unidos. Dizem assim: “Um grupo de cubanos tentou chegar aos Estados Unidos atravessando o Mar do Caribe usando um barco. Eles tentaram sair da ilha para ‘fugir do regime de Fidel Castro’”.
Ora, gente do mundo inteiro tenta entrar todos os anos na América, quando os cubanos, que estão há 150 milhas daquele país, procuram fazer o mesmo, dizem que estão fugindo de tal regime. E quanto aos milhares de brasileiros que são deportados ou impedidos de entrar nos EUA, será que também estão fugindo do regime de Lula ou de Fernando Henrique?
Mas isso não vem ao caso agora, o que me preocupa não é a forma como dão as notícias, mas os objetivos delas. Outro tema que não sai da pauta são as críticas ao presidente Hugo Chaves ou, como essa televisão gosta de dizer: “ditador venezuelano”. Quanto se falou sobre a tal ditadura de Chaves... Ta certo que ele não tem o rostinho bonito como o do Fernando Collor quando essa rede de TV o ajudou a eleger-se Presidente, mas convenhamos: Que ditador é esse que foi eleito e reeleito pelo povo e que depois de ter sido vítima de um golpe de estado, volta ao poder pelos braços desse mesmo povo? Que ditadura é essa que leva as decisões importantes de seu país, inclusive o aumento do mandato do presidente, ao crivo popular por meio de plebiscitos? E a tal da TV fechada pelo “ditador”, como reportou diuturnamente essa rede de televisão? Em momento nenhum essa empresa de comunicação foi fechada. Respeitou-se inclusive o seu contrato de concessão, mesmo que esse veículo tenha sido um instrumento de ferrenhas críticas ao governo. O engraçado é que nunca vi essa televisão brasileira chamar de ditadores os generais que banharam esse país de sangue em vinte anos de ditadura. Pelo contrário, quando as campanhas pelas diretas assomaram o país pedindo o fim do regime militar e um milhão de pessoas lotou a Praça da Sé, em São Paulo para protestarem, o seu principal jornal deu a notícia do evento como se aquilo fosse uma mera comemoração do dia do trabalhador. Sempre mentindo.
Como jornalista e pesquisador da história política da América Latina, essas repetidas reportagens sobre o mesmo tema não me cheira bem, ainda mais vindas de onde vieram. Já vi este filme antes. Há alguns anos, uma tal Operação Condor, desenvolvida pela Cia para tentar barrar a onda comunista que se espalhava pelo mundo, acabou resultando numa série de golpes militares. Quase toda a América Latina sofreu com a repressão das ditaduras de extrema direita, inclusive o Brasil, após o golpe de 64. Descobriu-se, mais tarde, nos arquivos do Serviço de Inteligência Americano, que os EUA mantiveram um porta-aviões na costa brasileira para dar apoio aos militares, caso esses não fossem bem sucedidos.
Pois bem, antes de se afirmar qualquer coisa, a América Latina vive um momento político, pelo menos do ponto de vista ideológico, parecido com o daquela época. Não temos novamente uma onda comunista. A Guerra Fria já terminou, e a China ameaça o Império Americano apenas economicamente, mas o ideário socialista está de volta ao continente. Por meio do voto popular, pelo menos nove países elegeram presidentes de esquerda. Além disso, Hugo Chaves é um crítico ferrenho da política americana e, detalhe, tem PETRÓLIO. E Cuba... A eterna pedra no sapato dos Estados Unidos. A ilha também passa por um momento político delicado em função da saúde debilitada do líder que se levantou contra o domínio ianque naquele país.
Será que os objetivos dessas reportagens são os de colocar a opinião pública contra, justamente, aqueles que se opõem aos domínios americanos? Serão elas o prenúncio de uma nova investida americana no continente, começando por Cuba e pela Venezuela? Será que usarão nesses dois países os mesmos argumentos que usaram para invadirem o Iraque? Isso só o tempo nos dirá.

Luciano Soares

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