O pior não é o cego que não quer enxergar, mas a pessoa que vê e finge que não é com ela. A omissão é, ao lado da traição, um dos maiores defeitos do homem. A sociedade condena abertamente os que traem, independentemente do tipo de traição, mas se omite o tempo inteiro frente às próprias mazelas. A omissão é uma traição velada. É furtar-se das responsabilidades de cidadão, de ser humano. É o individualista que se nega a acreditar que o seu egoísmo pode voltar-se contra ele próprio um dia.
A maioria das pessoas só milita em causa própria. O engajamento em ações que objetivam resultados positivos para a coletividade, ou para um grupo menos favorecido, é coisa rara hoje em dia. O capitalismo ensinou as pessoas a olharem para dois lugares apenas: Para a mídia, onde estão seus produtos, e para seu próprio umbigo.
A alienação a que as pessoas estão se submetendo é deprimente. A televisão passou a tomar o precioso tempo de quem poderia estar fazendo uma boa leitura. Ao invés disso, recebem sobre suas vulneráveis cabeças, o descarrego de um lixo midiático que eles insistem em chamar de arte. Ninguém mais tem opinião formada, a não ser pelo que lhe é dito na mídia. Um dia desses alguém chegou perto de mim e disse: “Você viu o Arnaldo Jabor falar no Jornal da Globo ontem? Como ele fala bem!” – Não. Respondi. – Ele falou sobre o quê? – “Não me lembro agora, mas foi alguma coisa sobre o Senado”. Em seguida perguntei: - O que você acha sobre o que está acontecendo no Senado Brasileiro? E a pessoa respondeu: “Ah, sei lá, esses políticos são todos ladrões.”
A opinião pronta, e muitas vezes deturpada, que a televisão infunde na cabeça dos espectadores, os tem deixado com o pensamento limitado, e toda vez que alguém lhes pede opinião sobre alguma coisa, recorrem sempre ao senso comum, como, por exemplo, que “político é tudo ladrão”. O interessante é que se “político é tudo ladrão”, teoricamente eleitor “é tudo burro”, se partirmos do princípio de que fomos nós que os pusemos lá. Dessa forma, com base no senso comum, somos capazes de apontar o erro dos outros, e incapazes de reconhecermos os nossos, mesmo que tenhamos contribuído para a ação dos “políticos ladrões”. E isso se agrava quando persistimos no erro, ao não nos posicionarmos ante a crise do Senado e outras coisas mais que acometem a política brasileira.
Esse é o problema da não-militância, dos omissos ou daqueles que ficam em cima do muro e não vêm, ou não querem ver, o que está acontecendo de ambos os lados. Militar na esquerda ou na direita, tomar partido sobre as privatizações ou sobre as cotas universitárias para negros, defender o rock ou a música sertaneja. Tudo isso é válido, e a democracia pede esse tipo de discussão. No entanto, é necessário que se tenha boa fundamentação, e para isso é preciso buscar várias fontes, não apenas a TV. Outro dia, conversando com amigos, começamos a discutir sobre música e, claro, tinha gosto para tudo, e aí vale o subjetivismo de cada um. A discussão aprofundou-se e entrou no campo do que tinha ou não qualidade artística. Vimos que no meio da turma, um não se manifestava. Então perguntamos a ele: E você, gosta de ouvir o quê? E ele respondeu: “Ah, eu gosto de tudo”.
Gostar de tudo significa não gostar de nada, ou não saber do que gostar. É um argumento daqueles que não têm opinião formada. O exemplo da música é algo quase insignificante se pensarmos que a maioria das pessoas tem essa opinião indefinida sobre a política ou a economia brasileiras. Se perguntarmos a essas pessoas o que acharam do final de Caminho das Índias ou do BBB9, certamente elas terão a resposta na ponta da língua. E se perguntarmos sobre o que acham da crise no Senado, sempre dirão: “Ah, político é tudo ladrão”. Mas nunca serão capazes de apontar quem roubou o quê ou de reconhecer que foi a nossa própria alienação política que os colocou lá. Essa incapacidade de saber escolher é a principal causa da formação desse “político ladrão”. Enquanto formos omissos, seremos incapazes de enxergar algo além do nosso próprio umbigo.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Perguntas do momento sobre questões seculares
A suspensão da Festa do Rosário, assim como o cancelamento de outros eventos por causa do avanço da gripe suína no município, foi uma medida, eu diria cabível, diante da situação do crescente número de casos confirmados em Oliveira, conforme dados do Comitê de Enfrentamento da Gripe.
No entanto, a situação mudou quando a justiça, por liminar, autorizou a realização de um evento público na cidade, nesse caso o Campeonato de Muares no Parque de Exposições de Oliveira. Abrindo exceção para um, mesmo a cidade estando em Estado de Emergência, baixado pelo prefeito, foi inevitável que as perguntas começassem a surgir: Porque não autorizar os outros eventos públicos também? Bom, nesse caso o prefeito eximiu-se da responsabilidade, já que lhe tiraram as rédeas das mãos, uma vez que ordem judicial não se discute, cumpre-se.
Valendo-se do direito da livre manifestação, do acesso à cultura, ao lazer e à livre crença religiosa, que lhe garante a Constituição Federal, o congado também foi ao poder judiciário e conseguiu, em segunda instância, uma liminar autorizando a realização da Festa do Rosário em Oliveira. Justiça feita, eis que tem início uma das mais tradicionais manifestações culturais e religiosas do Estado.
Vencidas as primeiras barreiras, é hora de enfrentar situações às quais os congadeiros aprenderam a encarar desde os tempos da escravidão. Absurdos que o mais pessimista dos negros talvez possa não ter imaginado que chegaria ao século XXI. Mas para quem teve as portas das igrejas fechadas, e que, por causa disso, construiu a sua própria igreja e que, posteriormente, viu essa capela ser demolida para em seu lugar ser construída a Catedral de Oliveira, templo este que também fechou suas portas aos congadeiros, o resto é fichinha.
O caso é que, com a autorização nas mãos, o Boi do Rosário ganha as ruas e atrai, como sempre, uma multidão de seguidores. Anunciante da Festa do Rosário, o boi também se configura numa das mais tradicionais expressões culturais da cidade, embora haja pessoas que não o enxerga como tal. Ao chegar à Praça XV, a multidão, e o Boi, encontraram o logradouro às escuras. Apagaram-lhe as luzes. Mas nada que lhe tirasse o brilho inato da sua missão de anunciar a grande Festa que estava por começar. Como se não bastassem as luzes apagadas, fecharam as portas dos banheiros públicos. Para completar, lá no largo da matriz, onde foi montado o palco para receber os reis e as rainhas, via-se no seu entorno, a velha matriz e a Casa da Cultura com suas portas fechadas.
Tudo isso é só uma constatação de que pouca coisa mudou desde o período da escravidão. Vê-se que pouco se alterou desde o tempo em que a sociedade possuía carta “branca” para hostilizar os negros recém libertados, numa época em que o aparato social não poderia servir a manifestações de origem africana.
Diante de tudo isso surgem as perguntas: Por que não foram liberados os R$15 mil aprovados pela câmara para ajuda à Festa do Rosário? Por que as luzes não foram acesas num importante momento em que a praça poderia fazer jus à sua reforma e à sua própria razão de ser? Por que os banheiros estavam fechados? Por que a Casa da Cultura não abre suas portas àquela que para mim é mais importante manifestação cultural dessa cidade? Por que a Catedral não lhes abre as portas, já que foi construída no lugar da pequena capela de Nossa Senhora do Rosário, erguida por mãos negras?
Se há uma resposta para tudo isso, certamente ela servirá a dois séculos pregressos, e provavelmente responderá a questões, tais como: Por que os negros continuam metidos nas favelas, com pouco acesso aos bens materiais e intelectuais, o que deveria ser um direito de todos, sem distinção?
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