terça-feira, 8 de abril de 2014

Um golpe na liberdade e na democracia

*Pesquisa: Luciano Soares

Acompanhe a história da ação militar que há 50 anos depôs o presidente João Goulart e instalou uma ditadura de 20 anos no Brasil



O ano era 1964. O dia, 1º de abril. Mas não se tratava com uma mentira. O país acordou com um silêncio ensurdecedor. Veículos militares com tropas e armamentos se deslocaram de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, sem encontrar resistência. O destino, o Palácio do Catete, sede do Governo Federal, de onde, horas antes, o presidente João Goulart havia saído para nunca mais voltar. Tratava-se de um golpe de estado que a imprensa da época, erradamente, chamou de revolução. Os militares ocuparam o poder, assim como o fizeram em quase toda a América Latina, naqueles fatídicos anos “60”, depondo um político eleito democraticamente pelo povo. Iniciava ali, os 20 anos da ditadura militar brasileira.

A renúncia
O cenário político internacional da época apresentava Estados Unidos e União Soviética travando uma queda de braços, em que cada um tentava impor ao mundo sua ideologia, respectivamente, capitalista e comunista, dentro da chamada Guerra Fria. Em 1959, a vitória da Revolução Cubana ganha a admiração da juventude latino-americana e aumentava o temor americano de uma guinada à esquerda na América Latina.
Em 1960, o Brasil elege Jânio Quadros, candidato apoiado pela UDN, para presidente da República, e João Belchior Marques Goulart, conhecido também como Jango, do partido trabalhista, aliado da esquerda, para vice. Jânio assume o cargo na mesma época que Kennedy vira presidente dos Estados Unidos.
Em 19 de agosto de 1961, Jânio Quadros condecora, em Brasília, o revolucionário Che Guevara com a “Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul”, a mais alta comenda do governo. O gesto foi considerado imperdoável para alguns setores das Forças Armadas.
No dia 25 de agosto de 1961, enquanto viajava pelo Leste Europeu e Oriente médio junto com a delegação brasileira para cumprir uma agenda econômica, Goulart recebe um telegrama pedindo a sua volta imediata para o seu país. De Cingapura, Jango soube da notícia de que o presidente Jânio Quadros havia renunciado.

O desafio de Jango
De volta ao Brasil, João Goulart deparou-se com uma crise política que havia se instalado no país após a renúncia de Jânio. Em meio a conspirações de ministros militares que tentavam impedir sua posse, finalmente, no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart foi empossado na presidência da República. Suas primeiras atitudes como presidente foram as de formular um programa que colocava como pontos centrais a defesa de reajustes salariais periódicos, compatíveis com os índices inflacionários, uma política externa independente, a nacionalização de algumas subsidiárias estrangeiras, e as chamadas reformas de base. Dentre essas propostas de Goulart, ganhava destaque a questão agrária.
Em abril de 1962 Jango viaja aos Estados Unidos na tentativa de buscar recursos financeiros junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e discutir os temas que vinham dificultando as relações entre os dois países. A missão foi infrutífera. De volta ao Brasil, Goulart tem que enfrentar graves problemas, como o aumento da inflação, a insatisfação da população e o afastamento do presidente do conselho de ministros que não partilhava das suas iniciativas.
No dia 6 de janeiro de 1963, cerca de 11.500.000, dos 18 milhões de brasileiros aptos a votar, compareceram às urnas para decidir sobre o tipo de regime político que o país deveria adotar. O resultado favoreceu o presidencialismo. Investido dos poderes de presidente, Goulart nomeou um novo ministério e passou a adotar uma série de medidas para tentar estabilizar a moeda.

A conspiração
Como se não bastassem todas as dificuldades na área econômica, Goulart passou a enfrentar um movimento conspiratório que, desde a sua posse, tramava a sua deposição. Sentindo-se isolado, o presidente começou a perder o controle político e militar da situação. Muitos oficiais graduados do Exército, que lhe eram fiéis, passaram a se juntar aos colegas insurgentes.
Numa última tentativa de conseguir aliados, Jango tenta reconquistar o apoio dos setores representados pelos sindicatos, ligas camponesas, entidades estudantis e partidos de esquerda como o PTB, PCB e Partido Socialista Brasileiro (PSB), únicos segmentos com os quais poderia contar naquele momento, tentando uma nova ofensiva rumo ao seu projeto nacional reformista. Por outro lado, os militares, liderados pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo Branco, implementam, no final do mês de janeiro, à revelia do presidente, um acordo militar com os Estados Unidos.
Esse acordo previa a necessidade de assistência ao Brasil para enfrentar ameaças, atos de agressão ou quaisquer outros perigos à paz e à segurança, conforme os compromissos assinalados na carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). Já em março de 1964, meses após a morte do presidente John Kennedy, o então secretário assistente de Estado para Negócios Interamericanos dos EUA, Thomas Mann, declararia, que "os Estados Unidos não mais procurariam punir as juntas militares por derrubarem regimes democráticos". Estava dada a senha para o golpe contra Goulart.
No dia 13 de março de 1964, João Goulart realizou um grande comício na Central do Brasil (Rio de Janeiro), onde defendeu as Reformas de Base. Naquela oportunidade, Jango prometia mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país. Cerca de 200 mil pessoas acompanharam o discurso.
No dia 19 de março, os conservadores representados pela classe média, Igreja Católica e setores da direita brasileira organizam a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reunindo milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo. Desde então, a agitação contra Goulart ganhou força e uniu contra seu governo proprietários de terras, interesses norte-americanos que conspiravam através da embaixada, e a maioria das forças armadas.
No dia 20 de março, Castelo Branco lançou uma circular reservada aos oficiais do estado-maior e das suas organizações dependentes, alertando a oficialidade para as ameaças que as recentes medidas de Goulart traziam. O cenário para o golpe já estava construído, e o seu desfecho contava com forte apoio dos Estados Unidos dentro da operação “Brother Sam”. - Documentos do serviço secreto norte-americano, revelados recentemente, dão conta de que às vésperas do golpe, uma força-tarefa, formada pela Frota do Caribe, contendo dois porta-aviões e aeronaves de guerra, se dirigiu à costa brasileira, com a ordem de invadir o país, caso as tropas fiéis a Jango resistissem.

O golpe
Na madrugada de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª. Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. Tenentes das Forças Armadas tomam o Ministério da Guerra. No Congresso Nacional, a sessão de primeiro de abril passa da meia noite, em meio a muito tumulto. Do Palácio do Planalto, ministros comunicam por escrito que Jango não havia deixado o país. Quando este vai ser lido no plenário, a energia é cortada.
Na noite do dia 1º de abril, Jango viajou para o Rio Grande do Sul com o objetivo de organizar a resistência e defender o poder legal. Contudo, já em Porto Alegre, Goulart decidiu-se por deixar o país, ao reconhecer que lutar para manter o governo significaria desencadear uma guerra civil.
Na madrugada de 2 de abril, o então presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República, alegando que João Goulart tinha saído do Brasil. Mas foi só no dia 4 de março que Jango desembarcou no Uruguai em busca de asilo político.

No exílio
Em agosto de 1964, deposto e exilado no Uruguai, João Goulart publica, numa revista de esquerda, um manifesto que acabou sendo lido na íntegra no plenário da Câmara dos Deputados. No texto, Jango destaca seu perfil “liberal” e “cristão” para se distanciar do estigma de comunista que tentaram lhe impor: “Hoje, lançam contra mim toda a sorte de calúnias. Sei que continuarão a injuriar-me. Mas o julgamento que respeito e que alguns temem é o do povo brasileiro”, escreveu Jango, para quem a imprensa da época teve um papel crucial no golpe.

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