Acompanhe
a história da ação militar que há 50 anos depôs o presidente João Goulart e
instalou uma ditadura de 20 anos no Brasil
O
ano era 1964. O dia, 1º de abril. Mas não se tratava com uma mentira. O país
acordou com um silêncio ensurdecedor. Veículos militares com tropas e
armamentos se deslocaram de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, sem encontrar
resistência. O destino, o Palácio do Catete, sede do Governo Federal, de onde,
horas antes, o presidente João Goulart havia saído para nunca mais voltar.
Tratava-se de um golpe de estado que a imprensa da época, erradamente, chamou
de revolução. Os militares ocuparam o poder, assim como o fizeram em quase toda
a América Latina, naqueles fatídicos anos “60”, depondo um político eleito
democraticamente pelo povo. Iniciava ali, os 20 anos da ditadura militar
brasileira.
A
renúncia
O
cenário político internacional da época apresentava Estados Unidos e União
Soviética travando uma queda de braços, em que cada um tentava impor ao mundo
sua ideologia, respectivamente, capitalista e comunista, dentro da chamada
Guerra Fria. Em 1959, a vitória da Revolução Cubana ganha a admiração da
juventude latino-americana e aumentava o temor americano de uma guinada à
esquerda na América Latina.
Em
1960, o Brasil elege Jânio Quadros, candidato apoiado pela UDN, para presidente
da República, e João Belchior Marques Goulart, conhecido também como Jango, do
partido trabalhista, aliado da esquerda, para vice. Jânio assume o cargo na
mesma época que Kennedy vira presidente dos Estados Unidos.
Em
19 de agosto de 1961, Jânio Quadros condecora, em Brasília, o revolucionário
Che Guevara com a “Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul”, a mais alta
comenda do governo. O gesto foi considerado imperdoável para alguns setores das
Forças Armadas.
No
dia 25 de agosto de 1961, enquanto viajava pelo Leste Europeu e Oriente médio
junto com a delegação brasileira para cumprir uma agenda econômica, Goulart
recebe um telegrama pedindo a sua volta imediata para o seu país. De Cingapura,
Jango soube da notícia de que o presidente Jânio Quadros havia renunciado.
O
desafio de Jango
De
volta ao Brasil, João Goulart deparou-se com uma crise política que havia se
instalado no país após a renúncia de Jânio. Em meio a conspirações de ministros
militares que tentavam impedir sua posse, finalmente, no dia 7 de setembro de
1961, João Goulart foi empossado na presidência da República. Suas primeiras
atitudes como presidente foram as de formular um programa que colocava como
pontos centrais a defesa de reajustes salariais periódicos, compatíveis com os
índices inflacionários, uma política externa independente, a nacionalização de
algumas subsidiárias estrangeiras, e as chamadas reformas de base. Dentre essas
propostas de Goulart, ganhava destaque a questão agrária.
Em
abril de 1962 Jango viaja aos Estados Unidos na tentativa de buscar recursos
financeiros junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e discutir os temas
que vinham dificultando as relações entre os dois países. A missão foi
infrutífera. De volta ao Brasil, Goulart tem que enfrentar graves problemas,
como o aumento da inflação, a insatisfação da população e o afastamento do
presidente do conselho de ministros que não partilhava das suas iniciativas.
No
dia 6 de janeiro de 1963, cerca de 11.500.000, dos 18 milhões de brasileiros
aptos a votar, compareceram às urnas para decidir sobre o tipo de regime
político que o país deveria adotar. O resultado favoreceu o presidencialismo.
Investido dos poderes de presidente, Goulart nomeou um novo ministério e passou
a adotar uma série de medidas para tentar estabilizar a moeda.
A
conspiração
Como
se não bastassem todas as dificuldades na área econômica, Goulart passou a
enfrentar um movimento conspiratório que, desde a sua posse, tramava a sua
deposição. Sentindo-se isolado, o presidente começou a perder o controle
político e militar da situação. Muitos oficiais graduados do Exército, que lhe
eram fiéis, passaram a se juntar aos colegas insurgentes.
Numa
última tentativa de conseguir aliados, Jango tenta reconquistar o apoio dos
setores representados pelos sindicatos, ligas camponesas, entidades estudantis
e partidos de esquerda como o PTB, PCB e Partido Socialista Brasileiro (PSB),
únicos segmentos com os quais poderia contar naquele momento, tentando uma nova
ofensiva rumo ao seu projeto nacional reformista. Por outro lado, os militares,
liderados pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo Branco,
implementam, no final do mês de janeiro, à revelia do presidente, um acordo militar
com os Estados Unidos.
Esse
acordo previa a necessidade de assistência ao Brasil para enfrentar ameaças,
atos de agressão ou quaisquer outros perigos à paz e à segurança, conforme os
compromissos assinalados na carta da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Já em março de 1964, meses após a morte do presidente John Kennedy, o então
secretário assistente de Estado para Negócios Interamericanos dos EUA, Thomas
Mann, declararia, que "os Estados Unidos não mais procurariam punir as
juntas militares por derrubarem regimes democráticos". Estava dada a senha
para o golpe contra Goulart.
No
dia 13 de março de 1964, João Goulart realizou um grande comício na Central do
Brasil (Rio de Janeiro), onde defendeu as Reformas de Base. Naquela
oportunidade, Jango prometia mudanças radicais na estrutura agrária, econômica
e educacional do país. Cerca de 200 mil pessoas acompanharam o discurso.
No
dia 19 de março, os conservadores representados pela classe média, Igreja
Católica e setores da direita brasileira organizam a Marcha da Família com Deus
pela Liberdade, reunindo milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de
São Paulo. Desde então, a agitação contra Goulart ganhou força e uniu contra
seu governo proprietários de terras, interesses norte-americanos que
conspiravam através da embaixada, e a maioria das forças armadas.
No
dia 20 de março, Castelo Branco lançou uma circular reservada aos oficiais do
estado-maior e das suas organizações dependentes, alertando a oficialidade para
as ameaças que as recentes medidas de Goulart traziam. O cenário para o golpe
já estava construído, e o seu desfecho contava com forte apoio dos Estados
Unidos dentro da operação “Brother Sam”. - Documentos do serviço secreto
norte-americano, revelados recentemente, dão conta de que às vésperas do golpe,
uma força-tarefa, formada pela Frota do Caribe, contendo dois porta-aviões e
aeronaves de guerra, se dirigiu à costa brasileira, com a ordem de invadir o
país, caso as tropas fiéis a Jango resistissem.
O
golpe
Na
madrugada de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª.
Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), iniciou a movimentação de tropas
em direção ao Rio de Janeiro. Tenentes das Forças Armadas tomam o Ministério da
Guerra. No Congresso Nacional, a sessão de primeiro de abril passa da meia
noite, em meio a muito tumulto. Do Palácio do Planalto, ministros comunicam por
escrito que Jango não havia deixado o país. Quando este vai ser lido no
plenário, a energia é cortada.
Na
noite do dia 1º de abril, Jango viajou para o Rio Grande do Sul com o objetivo
de organizar a resistência e defender o poder legal. Contudo, já em Porto
Alegre, Goulart decidiu-se por deixar o país, ao reconhecer que lutar para
manter o governo significaria desencadear uma guerra civil.
Na
madrugada de 2 de abril, o então presidente do Congresso Nacional, senador Auro
de Moura Andrade, declarou vaga a presidência da República, alegando que João
Goulart tinha saído do Brasil. Mas foi só no dia 4 de março que Jango
desembarcou no Uruguai em busca de asilo político.
No
exílio
Em
agosto de 1964, deposto e exilado no Uruguai, João Goulart publica, numa
revista de esquerda, um manifesto que acabou sendo lido na íntegra no plenário
da Câmara dos Deputados. No texto, Jango destaca seu perfil “liberal” e
“cristão” para se distanciar do estigma de comunista que tentaram lhe impor: “Hoje,
lançam contra mim toda a sorte de calúnias. Sei que continuarão a injuriar-me.
Mas o julgamento que respeito e que alguns temem é o do povo brasileiro”,
escreveu Jango, para quem a imprensa da época teve um papel crucial no golpe.
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