segunda-feira, 3 de março de 2008

A Tropa e o Urso


Quando fui ao cinema para assistir o tão falado “Tropa de Elite”, levei comigo uma carga de pré-conceitos acerca do filme. Mesmo sem tê-lo assistido ou lido qualquer crítica sobre a produção, sentia que ela poderia estar contaminada pela velha massificação dos produtos culturais pela mídia. Sou veementemente a favor da popularização da arte, mas totalmente contra a massificação de um produto cujo conteúdo sequer tenha sido submetido ao gosto popular. Além disso, ainda sem saber quem o dirigiu, receava encontrar uma salada de clichês globais. Qualquer diretor, por melhor que seja, se cai no lugar comum das produções estereotipadas do Padrão Globo de Qualidade, corre o risco de jogar seu filme na mesma vala em que estão “Xuxa e os Duendes” ou “Os Normais”. Isso me ocorreu porque o filme tinha como protagonista o ator Wagner Moura, figurinha fácil, ao lado de Lázaro Ramos, nas últimas produções da Globo Filmes.
Entretanto, já no meio da sessão, fui mudando meus conceitos, ou preconceitos. A estética, a linguagem e o roteiro fugiam realmente daquilo que eu supunha encontrar. Mas preferi esperar o final antes de fazer qualquer julgamento. Apostei: Se o Matias (personagem de André Ramiro) terminar a trama beijando a Maria (personagem de Fernanda Machado), a mocinha bonita de classe média e de bom coração, vai ser um balde de água fria. Que nada, no final o cara pagou o maior pau para ela e para seus amiguinhos da burguesia carioca que protestavam contra a morte de um de um “filhinho de papai” amigo dos traficantes.
O sucesso do filme trouxe à tona algumas considerações pertinentes à produção cultural, à mídia e ao consumo dos produtos de cultura nacionais. Juntamente com “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite” provou que nem sempre a mídia tem o poder de impor a sua ditadura comercial sobre o que deve ou não ser consumido pelas massas, pelo menos no que diz respeito ao cinema. Infelizmente o mesmo não acorre com a música, mas estamos no caminho. Outro fator é a questão da pirataria. Embora seja um crime, ela cumpre a função de popularizar a arte. Os novos cantores e músicos se rendem a ela para ver seu CD ser vendido, pelo mesmo preço, e junto com outros já consagrados. Com o Tropa de Elite não foi a mídia ou os críticos quem disseram: “Assista!”, mas o boca-a-boca dos populares que tiveram acesso à produção antes mesmo de ela chegar às salas de cinema. É a popularização de um produto pelo próprio povo, e não a massificação de um produto pela mídia. Dentro das teorias da Escola de Frankfurt, essa é a grande transformação da cultura de massa, que pela lógica do iluminismo, todos os consumidores são iguais e livres para consumirem os produtos que desejarem.
Sobre as polêmicas levantadas sobre o filme, ou uma possível apologia à violência, ou o seu caráter supostamente fascista, creio que não passa de observações demasiadas conservadoras, e esperadas, quando se tem um produto cultural que vem de encontro ao padrão pequeno-burguês de comportamento. Segundo Aristóteles, a mais bela tragédia é aquela (...) cujos fatos, por ela imitados, são capazes de excitar o temor e a compaixão. A mim não choca qualquer produto de arte que imite a realidade, mas sim a própria realidade. O jornal britânico The Guardian publicou uma matéria sobre o filme brasileiro em que diz: "A notícia de que "Tropa de elite" venceu o prestigioso Urso de Ouro no Festival Internacional de Berlim foi recebida com deleite no Brasil. O país deveria estar mergulhado em vergonha".
Curvo-me à ignorância desse jornalista inglês. Ora, uma coisa é uma produção cinematográfica, outra, é a realidade que o filme denuncia e que deve ser combatida não pelo seu diretor ou pelos espectadores que comemoraram a premiação, mas pelo Estado. Quer dizer então que não se podem produzir filmes que retratem a triste realidade de um país? Nem, portanto, premiar produções como estas? E se premiado, as pessoas estão proibidas de comemorar? É necessário saber separar a arte, e o que a inspira, da natureza, que não cabe a ela mudar.
Vamos comemorar sim, o Brasil mais uma vez é o melhor do mundo.

Nenhum comentário: