quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Como musgo na pedra

Em Oliveira, cultura brota como musgo na pedra. È impressionante a vocação cultural dessa terra e a produção artística quase ininterrupta, mesmo com pouco ou quase nenhum incentivo a isso. Por aqui, quase não se usa os mecanismos de incentivo à cultura, disponibilizados, tanto em nível estadual, quanto federal. No município não há nenhuma forma de mecenato real, ou lei, que permitam a renúncia fiscal por parte do poder público, de forma que esse recurso possa ser aplicado em projetos culturais, em parceria com a iniciativa privada. No Brasil nunca se liberou tanto recurso do orçamento federal para a pasta da cultura. Só no estado de Minas Gerais, em 2007, foram aplicados 140 milhões de reais e do governo federal quase um bilhão, para projetos culturais. É um segmento que tem crescido muito e, do ponto de vista econômico, tem se tornado um forte aliado no desenvolvimento desse país. Sem falar na qualidade de vida, na educação, segurança e conhecimento, que ela proporciona às pessoas.

Nesses últimos dois meses tivemos gratas notícias acerca da arte que brota “como el musguito en la piedra”. No início do mês de julho esse jornal publicou uma matéria sobre o lançamento do quinto disco da experiente e consagrada cantora, Titane. Algum tempo depois o jovem e talentoso músico oliveirense, Saul Flôres, lança seu primeiro CD. Também em julho desse ano a Gazeta publica matéria sobre o lança mento do livro de estréia do jovem Fabrício Souza. E nessa edição publica a cobertura do lançamento do quarto livro de um escritor de 87 anos. Vê-se aí que há uma renovação continuada da arte local e, independente disso, os veteranos artistas continuam produzindo. Como escreveu o poeta: “E vai brotando, brotando...
Como o musguinho na pedra. Como o musguinho na pedra, há sim, sim, sim.”

Sobre o livro recentemente lançado pelo escritor Nelson Leite, ou pelo amigo Tinelson, creio que ele nos faz refletir, não apenas sobre a obra que nele está constada, porque suas crônicas, de certa forma, cumpriram individualmente o seu papel ao serem publicadas na Gazeta de Minas. Reunidas no “Canto do Cisne”, elas se transformam numa pequena bomba contra a hipocrisia, a sisudez e o mau humor. Mas, acima de tudo, esse livro nos faz pensar no papel do autor. Na responsabilidade que recai sobre o articulista ou cronista quando, na frente dele, é aberta a lauda vazia, e sobre ela é atribuída ao escritor a função de botar o dedo na ferida do sistema, do status quo...

Como colega de Nelson Leite nessa árdua missão de escrever acerca do cotidiano, das glórias e vicissitudes que recaem sobre essa brava gente brasileira, sei o que este livro representa. Posso afirmar que ele é o retrato da nossa história, contada por meio de recortes do dia-a-dia, feitos a partir da ótica de alguém que concebe uma visão extremamente crítica. Um olhar que posterga a própria capacidade física de apenas ver. Ele bebe a mais fútil realidade e depois nos conta em detalhes extraordinários. E é isso o que deve cantar por esse mundo afora o cisne que o nosso velho poeta resolveu criar no fundo do quintal da sua sapiência.

Espera-se, porém, que a partir de aqui a lenda seja quebrada. Que o “Canto” desse cisne não seja o derradeiro. Que esse Matusalém das alterosas continue errando pelas nossas ruas, galanteando as mulheres, caçoando dos que não bebem e se sentando ao lado daqueles que o fazem. E é ali, nos lugares mais simplórios, onde a vaidade não é convidada a entrar, que iremos encontrá-lo. No reduto dos sábios. Ele gosta de afirmar que o dinheiro, definitivamente, não gosta dele. Mas você, Nelson Leite, “é” mais do que “tem”. O seu “ser” certamente ficará na história. E se materialmente algo tivesse, isso se esvairia como se esvaem as coisas fúteis. Você será eterno enquanto dure a sua obra.

O Canto do Cisne não é uma constatação, mas a confirmação de que, como ele mesmo diz: “Não se conta a idade dos homens pela seqüência dos anos, mas pela vibração do espírito”.

Nenhum comentário: