sexta-feira, 5 de junho de 2009

Vai-se o homem, fica o exemplo

Há dois domingos fui despertado com uma notícia triste, a perda de um amigo. Ainda que isso não servisse de consolo, sabia que compartilharia aquela tristeza com boa parte dessa cidade, pois morria um grande benfeitor dela, o senhor Emílio Haddad Filho. Diante dessa notícia, parti rumo à capital mineira onde seu corpo seria velado. O cenário que outrora fora parlamento de um espírito combativo, naquele dia deu abrigo ao frágil corpo e serviu de leito de despedida há um dos homens que só fez honrar aquela casa. Chegando à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o sentimento de dor era visível, sabia-se do peso daquela perda, em todos os sentidos. O grande número de coroas em sua homenagem talvez não mostrasse tanto a importância de Emílio, como o choro compulsivo dos seus amigos.

Situações como essas nos fazem rememorar fatos da vida daquele que está partindo. Um, em especial, me veio à mente naquele momento. Como amigo do próprio Emílio e do seu filho Michel, por várias vezes freqüentei a casa que sempre teve a fama de ter as portas abertas para qualquer pessoa. Apesar de ser uma família pequena e de a maioria morar em Belo Horizonte, o lugar sempre estava cheia de amigos: A turma do rock, a galera do futebol, os congadeiros, os colegas da política, os foliões... E é aí que eu queria chegar: - Certa vez, numa sexta-feira de carnaval, quando o famoso bloco do Pelo Amor de Deus se concentrava de frente a sua casa – e nesse caso não restam dúvidas de que era em sua homenagem – fui até a casa do Emílio e me surpreendi quando vi que o bloco não só se concentrava em frente, mas também dentro da casa. Uma multidão de pessoas fantasiadas circulava à vontade nos corredores do velho sobrado art decô. E no meio deles, estava, feliz e receptivo, o incansável Emílio Haddad.

Esta talvez seja a melhor maneira de descrevê-lo. Um homem simples, do povo. E aí não cabe qualquer insinuação de que havia algum interesse político por trás. Isso era natural dele. Quem o conhecia sabia que ele não precisava fazer o menor esforço para ter aquele caráter popular, isso era inato. O seu velório mostrou bem quem era este homem que transitava entre as camadas mais abastadas e as mais carentes dessa nossa sociedade desigual. Viam-se ali deputados, ex-governadores, advogados e médicos se misturarem à gente simples do alto São Sebastião, a congadeiros, carnavalescos e boêmios.

Mas nem sempre o gesto de adeus é presságio do fim. Não para aqueles que deixaram um exemplo a ser seguido, um legado de luta, de serviços prestados à comunidade, e que ensinam a pensar no coletivo e não apenas individualmente. Emilio Haddad partiu para outra dimensão, mas deixou o exemplo de um homem verdadeiro. E como tal, viu-se perpassado por uma linha reta, tanto em sua vida pessoal: como pai, marido e amigo, como na sua vida profissional: como advogado conciliador e perseguidor da justiça, e em sua vida pública, atuando no meio político.

Uma das grandes virtudes do homem mora na sua capacidade de modificar a natureza das coisas, e fazer com que as coisas mudem para melhor é um desafio que poucos querem encarar. Ele o fez. Teve a coragem de enfrentar o governo militar como deputado da oposição durante um dos períodos mais violentos da nossa história.
O caráter ímpar de Emílio o fizera quebrar, ainda que de forma involuntária, o status quo da cultura vigente: Mesmo sendo advogado, foi um indivíduo livre de vaidades; Mesmo sendo político, foi um homem de honestidade incorruptível; E, mesmo tendo alcançado elevados postos da vida pública desse país, foi uma pessoa extremamente simples.

A herança material e relativamente pequena que está deixando para seus herdeiros, mostra que Emílio, apesar de ter tido oportunidade, não tirou proveito nenhum do poder que conquistara, nem para ele, nem para os filhos. Mas é certo que qualquer bem, seja casa, carro, apartamento ou terreno, é infinitamente insignificante para sua família, perto do exemplo de homem que ele deixa. E isso, certamente, é de um valor incalculável, por ser raro nos tempos atuais.

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