quinta-feira, 2 de julho de 2009

Os homenas passam, as músicas ficam


Estava na quinta série ginasial quando conheci o meu amigo Sávio. Tínhamos 11 anos na época, portanto, nossa amizade vem de longa data. A nossa altura, e a técnica também, nos fizeram destacar nos jogos de basquete durante a educação física da escola, ele um pouco mais, por ser um negro alto e forte. Por causa da nossa desenvoltura esportiva, fomos convidados a fazer um teste no time de vôlei da cidade. Ficamos felizes e, ao mesmo tempo, frustrados, pois gostávamos mais de basquete, mas, de qualquer forma, passamos nos testes, e nos integramos à equipe de vôlei da cidade, sediada na Praça de Esportes de Oliveira. De lá para cá, nos tornamos amigos, e além do gosto pelo esporte, tínhamos outra coisa em comum: a paixão pela música.

Eu era fascinado com Elvis e com o rock dos anos cinquenta. Tinha discos, vídeos, revistas, além disso, qualquer reportagem relacionada ao rei do rock que achava ia armazenando numa pasta. Tentei aplicar isso no meu amigo: “Cara, tem que ouvir uma coletânea do Elvis que lançaram agora, só tem as melhores dele!”. Achei-o meio cético, mas ele teve paciência e ouviu o disco todo. E aí, o que achou? Perguntei. Ele disse: “É bom. Agora vamos lá em casa que eu também quero te mostrar uma coisa.” Morávamos bem pertos, a coisa de uns três quarteirões. Depois de guardar o meu novo disco do Elvis, a sete chaves, nos encaminhamos para sua casa. Chegando lá ele foi até o quarto e trouxe uma pilha de discos, e me entregou. “Dá uma olhada, vou colocar um para tocar.” Quando comecei a repassar as capas, vi que o cara tinha a coleção completa do Michael Jackson.

Na época, não curtia muito a música pop e meu amigo cobrou com juros e correções a audição a que fora obrigado a se submeter. Na casa dele tive que escutar quase a coleção completa do “rei do pop”. Até que gostei, Michael não era um simples “pop”, ele era Michael Jackson e ponto final. Para me agradar, ele foi até a coleção de discos da mãe dele e trouxe uma relíquia: um LP do Elvis, original, e me entregou dizendo: “Cara, você precisa se atualizar, esse disco é da época da minha mãe.” Aí rebati: “O rock é atemporal, é universal. Ele nasceu nas plantações de algodão dos Estados Unidos com os escravos da época, e Elvis o mostrou para o mundo. Não tem essa de ser antigo, o que é bom não morre. O rock é eterno, meu caro. Long live rock n’ roll.”

O nosso intercâmbio cultural deixou de ser uma simples troca musical para se transformar numa disputa ideológica. Um tentava provar para o outro que o seu cantor predileto era o melhor. Certa vez ouvi pelo rádio sobre um festival de rock que aconteceria em Oliveira. Fiquei superfeliz. Participaria uma banda de oliveirenses da qual eu era fã, o Aspecto Local, e as outras viriam de outras cidades. Liguei para o Sávio e o convidei para ir. Ele topou. É chegado o grande dia, mesmo com a resistência dos nossos pais, por termos onze ou doze anos na época – e aí era o final dos anos oitenta – acabamos convencendo-os a nos liberar. Achei que deveríamos nos vestir como roqueiros, mas o Sávio insistiu em ir vestido no estilo Michael, com direito a sapatinho preto superlustrado e meia branca. Fazer o quê?

O festival foi surpreendente, tocaram ali as melhores bandas da região, e o rock n’ roll rolou até altas horas. O Sávio demonstrava estar gostando bastante, mas começava a se preocupar com o horário, chamando-me para irmos embora. Eu disse que não sairia dali enquanto não ouvisse o Aspecto Local, a última banda a se apresentar, conforme a programação. Valeu a pena, foi o melhor e o último show que assisti daquela banda. O Sávio, surpreendentemente, vibrou tanto quanto eu. Mas a hora estava mesmo avançada e precisávamos sair. Quando deixamos o galpão da escola de samba 13 de Ouro, onde foi realizado o evento, a banda anunciou a última música, e surpreendeu novamente quando começou a tocar Faroeste Caboclo, da banda Legião Urbana. Um clássico do rock nacional, que na época tinha acabado de ser lançado e marcava pela letra e por ser longa demais para os padrões fonográficos. Fomos cami-nhando com a música nos ouvidos, a geografia daquela região permitiu que o som chegasse aos nossos ouvidos, mesmo distante do local. Quando cheguei a porta da minha casa, pude ouvir o último acorde da música e a banda se despedindo do público.

Valeu a pena. O Sávio definitivamente estava iniciado no rock n’ roll. Venci a primeira batalha. Mas na semana seguinte ele deu uma festa para comemorar seu aniversário e chamou a turma da escola e a galera do vôlei, e adivinha o que tocou a noite toda? Claro: Michael Jackson. E assim foi durante um bom tempo em que convivemos: nas minhas festas, Elvis; nas dele, Michael. Por fim, quando Michael lançou o disco Bad, lá fui eu comprar minha primeira fita cassete do artista. E, posteriormente, quando ele lançou o álbum Dangerous, não resisti e comprei o disco. Estava eu aplicado no bom e velho pop de Michael Jackson.

Por esses dias, com a morte de Michael, todas essas histórias me voltaram à mente, e hoje, mesmo distante do meu amigo, creio que tanto ele, quanto eu, sabemos que Elvis é o rei do Rock e Michael é o rei do pop e não se fala mais nisso, e temos a certeza de que ambos nos marcaram muito. Por isso, as últimas semanas me têm suscitado um sentimento de nostalgia e de certa tristeza, e com certeza ao meu velho amigo também. Parafraseando Cazuza: “Meus heróis morreram de overdose”, mas, como dizia Raul Seixas: “Os homens passam, as músicas ficam.”

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