Leilão de jardim
Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
(Este é o meu leilão.)
Cecília Meireles
Escutei pela primeira vez, e aprendi esse poema no grupo escolar, quando tinha algo em torno de seis anos. Depois disso, ele sempre habitou o meu imaginário, mesmo já adulto. Lembrava-me apenas das quatro primeiras estrofes, mas elas foram suficientes para mantê-lo vivo na minha memória durante anos. Depois desse tempo não tive mais contato com essas palavras simples que se imortalizaram num cérebro ainda em formação.
Estranho como as coisas acontecem na vida da gente: conheci o Leilão de Jardim de Cecília Meireles ainda criança. Pode ser que ele tenha me marcado de alguma forma, mas não entendo porque ele nunca saiu da minha cabeça. Há poetas que defendem a tese de que poemas não servem para nada. Inclusive, meu amigo e colega de coluna, o poeta Márcio Almeida, costuma dizer que se poema servisse para alguma coisa estaria em gôndola de supermercado. Em parte concordo com ele, mas a sua serventia, creio eu, passa a ser involuntária, às vezes.
Por exemplo: Essa semana queria escrever sobre a Praça da Rodoviária, um jardim público que está sendo demolido para que o local seja leiloado. Antes de começar a escrever me veio o título desse texto: “Leilão de Jardim”. Por isso, me lembrei novamente do poema de Cecília Meireles, e só agora descobri porque ele esteve durante todos esses anos em algum lugar da minha memória. Por mais que o poema não tenha que cumprir esse papel, ele me foi extremamente útil na reflexão que faço a seguir:
A praça que pretendem leiloar é um bem público que vai ser vendido sem que a população sequer seja consultada. E pior: É um jardim com grandes arbustos, construído numa área estratégica da cidade, que poderá dar lugar a um caixote de concreto num futuro bem próximo.
Usou-se para isso a argumentação de que o lugar vem abrigando marginais, e servindo a práticas de sexo explícito e uso de drogas.
Bem, quanto ao sexo, que eles não deixem de fazê-lo, isso é saudável, faz bem para o corpo, para a cabeça, e cura até enxaqueca, aí é apenas uma questão de escolher um lugar mais adequado. Já em relação aos marginais, isso passa a ser um caso de polícia. Agora, se o lugar os está atraindo, algo ali precisa ser mudado, para que a praça não seja mais interessante à prática dos seus delitos. A pouca iluminação, quem sabe.
Não seria o caso de revitalizá-la? De torná-la mais aprazível para as pessoas de bem, e assim manter a qualidade de vida do lugar, a considerar que é por ali que costumam chegar aqueles que vêm conhecer a nossa cidade?
Querem vender um problema antes de tentar resolvê-lo. È como optar por dar um tiro de misericórdia num cãozinho que está acometido por alguns carrapatos.
Será que não há aí um interesse comercial muito forte por trás de tudo? Será que a especulação imobiliária não está querendo transformar o público em privado? Será que aquele grande arbusto terá que dar lugar a um quadrilátero de cimento para abrigar, provavelmente, uma loja de roupas? Isso, só o futuro dirá. Enquanto isso, meu povo assiste passivo ao que poderá ser mais uma triste releitura de Cecília Meireles: “Quem me compra esse jardim com flores?”.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
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