terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sobre as manifestações e a elite brasileira



Segundo o Datafolha, 51% da população do Rio que ganha até 2 salários é contra protestos. Já entre o segmento mais rico, que ganha mais de 10 salários, a situação é inversa: 71% é a favor.

Há certas constatações nas manifestações do Brasil que derrubam mitos e remontam fatos históricos. Um deles diz respeito aos motivos que levaram e levam milhares de pessoas às ruas. Tudo começou com um aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus urbanos da capital paulista, e que ganhou a solidariedade de todo o povo brasileiro depois da truculência usada pela polícia na tentativa de conter os protestos. Em apoio a eles, a população de outros estados vai às ruas e transforma um protesto local em um movimento nacional.

O sentimento de que o “gigante” havia acordado suscitou entre as massas um dilema: Afinal, o movimento é grande demais para brigar por “apenas 20 centavos”. Agregou-se, então, a essa luta uma causa historicamente necessária: Reformas urgentes no nosso ultrapassado sistema político-partidário e em tudo de ruim que dele emana. O alvo não era, portanto, denominações políticas ou bases ideológicas, mas a forma como a política vem sendo feita no país, desde a instalação da república, no final do século 19, ou mesmo antes dela, no período imperial.

Pessoas de todos os partidos, de todas as ideologias e classes se envolveram nesse grande movimento por mudanças. Mas há aí um fator bastante peculiar. As elites, consideradas reacionárias, por se oporem a grandes mudanças, que, de certa forma, possam por em risco a sua posição, começaram a apoiar as manifestações, possivelmente concluindo que elas possam atingir o governo atual. Por outro lado, a grande mídia, que também faz oposição, abandona sua fiel posição de voz retumbante das elites, para tentar manchar o movimento. Afinal, ela também passou a ser vítima dele.

Um fato interessante se deu no jogo de abertura da Copa das Confederações, quando a presidente Dilma foi vaiada durante sua fala. Muitos tentaram ligar esse comportamento à indignação daqueles que estavam nas ruas. Equivocaram-se na minha opinião. Ora, se considerarmos que o preço dos ingressos eram extremamente altos para aqueles que lutavam contra um aumento de 20 centavos nas passagens, constata-se que estavam ali pessoas com alto poder aquisitivo; se considerarmos que uma das bandeiras do movimento era contra a copa, então, os verdadeiros manifestantes não iriam àquele jogo; se considerarmos que a mesma presidente deu o chute inicial e discursou durante a reinauguração de vários estádios do país, durante clássicos regionais, sem uma vaia sequer, conclui-se que quem a vaiou foram pessoas da elite.

A verdade é que, historicamente, as elites sempre se apropriaram de movimentos legítimos, nascidos do seio da população. Isso ocorreu durante a Revolução Francesa, na Rússia Menchevique e Stalinista, e no próprio Golpe ocorrido no Brasil em 1964. A diferença é que, nessa época, por aqui, as massas não foram às ruas. Pelo contrário, havia esperanças de reformas importantes no país durante o governo Jango. Quem verdadeiramente saiu às ruas foram as elites, dentro do movimento “Família com Deus pela Liberdade”, motivadas pelo “medo do avanço comunista”, pelo reestabelecimento da “ordem pública” (Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência), e por um certo, digamos, dedinho dos EUA. A ação militar naquele movimento acabou ganhando a complacência das massas, alienadas pela adesão da Igreja Católica.

No caso das manifestações 2013/2014 do Brasil, algumas particularidades têm colocado em xeque a eficácia dos protestos em relação aos seus objetivos. Uma delas diz respeito à entrada do movimento Black Bloc, que tem sua ideologia calcada no anarquismo, o que não coaduna com o pensamento da maioria dos manifestantes e da própria população. Outra está na forma como eles protestam, ou seja, com o rosto coberto e destruindo patrimônio público e privado, tendo como agravante a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes e a denúncia de que são pagos para fazerem arruaça. O que dá subsídio para a mídia tentar demonizar o movimento.

A conjuntura atual mostra que esse é um momento crucial na história do Brasil, com a população pedindo mudanças às vésperas de um grande evento, em que os olhos do mundo estarão voltados para o país, e das eleições para presidente, governadores e o parlamento. Por outro lado, há o risco do movimento se deslegitimar por causa da violência que a ele vem sendo agregada. Em meio a isso, vê-se uma mídia entre a cruz e a espada, por ver que as manifestações podem dar força à sua tentativa de tirar do poder a legenda atual, mas, ao mesmo tempo, pode colocar em risco uma copa do mundo, que lhe rende rios de dinheiro. Por isso, é claro, há uma lei sendo discutida no Congresso com o objetivo de classificar como terrorismo alguns atos adotados durante as manifestações. Isso talvez venha resolver o dilema da grande mídia e das elites, que querem ver o circo pegar fogo, mas sem que isso comprometa o seu espetáculo.

Um comentário:

Bakte3 disse...

Muito bom, Tcha. Eh a sintese perfeita do que ocorre... mas um misterio ainda me atordoa... o que levou aquele contingente as ruas? Como foram reunidos e convencidos?