Ao término do curso de jornalismo, rememorando com os colegas alguns fatos ocorridos durante esta longa jornada, várias histórias nos surgiram. Da minha parte, duas, em especial, me marcaram muito. Ambas ocorreram no primeiro período, ou seja, no início do curso. Numa delas eu e minha colega Rafaela Pacheco ficamos indignados com um decreto baixado pela diretoria proibindo a venda de produtos no campus. - Alguns alunos aproveitam o tempo do intervalo para venderem chocolates, bijuterias roupas íntimas, etc, com o intuito de levantar uma grana para ajudar a pagar as despesas do curso. - Eu e minha colega não vendíamos nada, mas nos sensibilizamos com aqueles, que muitas vezes dependia daquele dinheiro.
Resolvemos então fazer um abaixo assinado. Colhemos mais de 800 assinaturas só no bloco de comunicação. Encaminhamos para a diretoria geral, e junto, uma carta em anexo na qual colocamos a nossa indignação diante do decreto e as reivindicações de todos os estudantes, que também se solidarizaram.
Alguns dias depois, a coordenadora do curso de comunicação chamou-me em sua sala e entregou-me a carta-reposta da diretoria. Perguntei: Porque você chamou a mim, se tem aí mais de 800 pessoas assinando? Ela respondeu: Isso só pode ter sido uma iniciativa sua, além disso, você foi o primeiro a assinar.
Disse: Cara coordenadora, não importa de quem tenha partido a ideia, ou quem assinou primeiro ou por último, o que importa é a causa do movimento e os efeitos que ele pretende desencadear. Várias pessoas que vendem produtos no campus só o fazem porque precisam do dinheiro, vocês não podem tomar uma decisão dessas deliberadamente sem se importar com as consequências dela. Muita gente disse que se não poder continuar vendendo seus salgadinhos, bombons e bijuteria vão ter que trancar a matrícula. E a coordenadora respondeu: É, precisamos repensar o caso. Traga-me uma proposta de como isso pode ser feito sem que prejudique as aulas. - Algumas alternativas foram apresentadas e ao final eles acabaram relaxando e as vendas continuaram.
A segunda história ocorreu nas vésperas da data que marcava os 40 anos do golpe de 64. O jornal Estado de Minas publicou uma série de reportagem que reconstituíam aqueles fatídicos e negros anos da história do Brasil. Guardei cada fascículo da publicação. Esperei que, numa faculdade de jornalismo como a que eu estudava, fossem ocorrer palestras e debates sobre o caso, já que os jornalistas, junto com os intelectuais, artistas e militantes de esquerda da época, foram os mais atingidos. Chegou, portanto, o dia 1º de abril de 2004 e ninguém falou no assunto. Achei um absurdo. Chamei meu colega de classe, Valério Peguini, um exímio ator de teatro, daqueles que se for preciso para a avenida paulista para protestar contra o Bush, e disse-lhe: Valério, amanhã vou precisar da sua ajuda.
No dia seguinte, levei para a faculdade todos os fascículos da reportagem sobre o golpe de 64 que havia juntado. Chamei meu colega ator e disse: - Hoje vamos fazer um protesto. Os olhos dele brilharam. – Contra o quê, perguntou. Expliquei tudo a ele. Em seguida fomos até a secretaria do bloco e pedimos uma fita adesiva. A secretária perguntou. É para pregar algum cartaz? Eu respondi que sim. Ela disse, então: - Vão precisar de uma autorização da diretoria geral. Eu disse que tudo bem. Ela nos entregou a fita e partimos. O Valério me perguntou: - E aí? Respondi: Valério, nunca quebre a ordem estabelecida, a não ser que seja por uma causa justa, e esse é o nosso caso. Ele deu uma risada e perguntou: Onde estão os jornais?
Pregamos todos os fascículos no mural que fica no hall de entrada do bloco. Detalhe: Sem autorização. As reportagens traziam fotos chocantes da época da ditadura militar. Sobre as folhas de jornais fixamos uma faixa que dizia: “É um absurdo uma faculdade de jornalismo não tocar nesse assunto!”. Depois de cumprida a missão retornamos à sala de aula.
Quando bateu o sinal para o intervalo os alunos e professores iam saindo das salas e parando diante do painel de jornais. Colocamos-nos no meio deles para sentir as reações. E as perguntas surgiam a todos os momentos: - Quem será que pregou isso?
No dia seguinte o meu professor de sociologia se aproximou de mim e perguntou: - Foi você quem pregou aqueles jornais não foi? Respondi que sim. Não quis envolver o nome do Valério temendo o que podia acontecer. Ele em seguida me lançou outra pergunta: - O que acha de eu propor uma série de seminários e debates sobre o assunto aos alunos? Fiquei surpreso. Pensei que receberia alguma punição. Respondi em seguida: Acho ótimo, esse era o objetivo do protesto.
Entramos para a sala e o professor perguntou aos alunos: - Alguém aqui sabe o que foi o golpe de 64? Três levantaram a mão. Ele então fez a proposta dos seminários. Vários olharam para mim com cara ruim. Sabia que eu era o culpado da carga de trabalho que recairia sobre eles. A sala foi dividida em grupo, as datas foram marcadas, e logo começaram as pesquisas. As apresentações duraram duas semanas. Os debates eram cada dia mais calorosos. Meu grupo foi o último a apresentar. Ao final da apresentação argumentei: - Meu exemplo não foi dos melhores, mas sei que contribui com o conhecimento de vocês. Creio que para reportarmos o que factual na vida desse país, precisamos conhecer um pouco da história dele.
Luciano Soares
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
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