segunda-feira, 28 de julho de 2008

Encontrando a paz na terra de Milho Verde


A relação entre homem e terra existe desde que o homem é homem e que terra é terra. Esse amor aumenta quando nossos antepassados, meio homem, meio macaco, com a terra teve contato. Plantou semente, choveu chuva, virou terra um charco. Colheu-se mandioca, beterraba, jenipapo... Jujuba, couve-flor, abóbora madura. Criou-se, então, a agricultura.
Revolver a terra, tirar dela o barro, construir moradia, colher o alimento de todo dia. Dos serviços mais básicos e certos à inspiração do poeta que cria e lhe remete versos, tudo nos é dado pela terra. Dos quatro, ela é o primeiro elemento, seguido da água que é rio, do fogo que é calor e do ar que é vento. Terra é montanha, é firmamento, é planeta. Terra molhada é boa, terra sem chuva é seca. Terra é mãe, é avó. Terra é chão, é pó. Pó que viemos e ao qual voltaremos.
Mas de repente tudo mudou na cabeça da gente. Namoro do homem com a terra acabou. Solo macio ficou duro, escuro. Asfaltou. Charrete virou auto. Rua de terra virou asfalto. Tudo sem graça. Poesia sem rima. Minhoca por baixo, carro por cima. O verde apagou, ficou cinza. A mata ficou que é concreto só. Uma tristeza de dar dó. Prédio agora é “mato”. Gente por cima, gente por baixo... O rio ficou triste e chato. Sujeira das fábricas, esgoto dos vasos. A chuva que entrava na terra e nascia em nascente, agora enche em enchente. Mata gente. O canto do bem-te-vi já não há, é buzina daqui, sirene de lá. O ar já não dá pra respirar. Vizinhos não conhecem uns aos outros. Cisma-se com tudo, desconfia-se de todos.
Oh natureza, onde está sua cor, sua beleza, sua paz, seu sabor?
Procuro daqui e dali. Inda hei de achar. Parto em busca de ti. Devorando o horizonte cheguei ao alto daquele monte. E você lá estava linda como esperava encontrar. Pura e original. As matas em seu verde, o rio em seu caudal. Um pequeno paraíso chamado Milho Verde, cidade, vila ou arraial. Nesse lugar água se bebe na mina, fruta se come no pé, ar puro se respira, oração se reza com fé.
Cama lá é rede, rua é de terra, grama é tapete, fechadura é cancela. Lá, vizinho se conhece, conversa, versa. Tudo se resolve num dedo de prosa. Gado é no pasto, milho é na roça. Pinga é da boa, cigarro é de palha. Má notícia não se espalha. Folia de reis, moda de viola... Isso pra acabar não tem hora. O que não falta é assunto. Ali se bebe, dança e tem comida pra todo mundo. Tudo se aproveita. Da fruta e da folha faz-se uma receita. Cabaça pequena vira cumbuca, se é grande vira cuia. A pinga vai pra goela, a reza pro santo e o mau agouro prá’s cucuia. Barro vira panela, lenha vira fogo, bambu vira pinguela. Cerca é besteira, planta-se um pé de tomate, uma trepadeira... Cipó vira corda. Cavalo se monta, porco se engorda. Conta lá não se anota: Ou se tem honra pra comprar a prazo ou se tem dinheiro pra pagar com nota.
Tudo isso é lá em Milho Verde, o paraíso que flerta com o céu, e Deus responde ao flerte: Vê-se esse amor no pôr do sol, no nascer da lua. O vento brinca com os galhos, o universo se insinua... Passarinho lança voou... Moça olha na janela... Cachoeira ora é água ora é pedra. O sol pensa que é verão, as flores, que é primavera. Gerações vêm e vão, mas lá o tempo espera. É paz que não termina. Amor do homem com a terra parece enraizado, vivo como água da mina, firme como árvore de jatobá. Tudo isso se vê por lá. Quero voltar a milho verde, deitar-me na rede numa noite de luar. Rever as estrelas, aqueles olhosinhos de Deus que são mais numerosos ali que em qualquer outro lugar.
Texto e foto: Luciano Soares.

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