quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Crônica de uma Tieta oliveirense

Aos 17 anos, Tieta vivera aventuras amorosas que escandalizaram a população de Sant´Ana do Agreste. Condenada por suas atitudes, e rechaçada pela família e por boa parte da população, Tieta vai-se embora da pequena vila do interior da Bahia.
Anos depois, Tieta retorna rica e poderosa, viúva de um industrial paulista, e é recebida com toda a pompa pela família, pela sociedade e políticos da cidade.
Qualquer semelhança é mera coincidência. A obra “Tieta do Agreste”, de Jorge Amado, parece ter deixado o mundo da ficção para ter sua estreia na realidade dentro do contexto social de Oliveira.
Conhecida por formar grandes homens, que emprestaram sua força e seu conhecimento ao país, o município de Oliveira concebeu escritores, cientistas, poetas, artistas e grandes políticos que levaram o nome da então “Princesinha do Oeste” para além do Morro do Diamante.
Aqui, no final do século XIX e boa parte do século XX a cidade teve no topo da sua pirâmide social os famosos coronéis e posteriormente os grandes fazendeiros, que mandavam seus filhos estudar na Europa e no Rio de Janeiro. Por outro lado, tinha-se na base dessa pirâmide uma massa de pobres e iletrados que se viam sob as ordens da Igreja e dos políticos, sempre representados por um desses coronéis.
Tendo como legado histórico esse sistema coronelista, e a carga cultural que, por consequência, foi produzida durante essa formação hierárquica, caímos lá no início dos anos 1990, quando conheci a bela e não menos polêmica, Tieta de Oliveira – Resolvi chamá-la assim, porque não vem ao caso revelar seu nome verdadeiro.
Vinda de uma família humilde, residindo de favor nos fundos de uma escola onde a mãe trabalhava como servente, até então a bela adolescente não era conhecida na cidade. Mas isso durou pouco. Aquela máxima de que a beleza chama a atenção confirmou-se com Tieta e sua, não menos bonita, irmã. A dupla começava a ganhar as partes altas e centrais da cidade, onde normalmente a juventude se reunia na época.
A passagem das duas, tanto entre os que lhes assemelhavam na condição social, como nas classes burguesas, herdeiras dos velhos coronéis, provocava mudez nos homens e bochichos entre as meninas. A beleza das duas fazia os corações masculinos disparem e os cabelos das mocinhas se arrepiarem de inveja. E a pergunta foi inevitável: Quem são essas duas?
Não demorou muito para a dupla se tornar popular na cidade. A partir do momento em que foram vistas, uma multidão de homens passou a tentar a sorte de ter uma oportunidade de lhes conquistar. A estética dessas meninas refuta a tese do meu amigo Manuel Rabelo que diz que “até a beleza é mal distribuída”. Não no caso delas: Se não foram contempladas pelo prêmio da fortuna, foram premiadas com a virtude da beleza. Essa dádiva nem Cleópatra conseguiu.
Mas voltemos aos fatos: Como na história de Jorge Amado, a repercussão causada pelo aparecimento da bela Tieta oliveirense não poderia passar impune aos olhos da conservadora e elitista sociedade oliveirense da época. Não demorou para que as duas irmãs começassem a sofrer as consequências de que suas aparências foi capaz de causar nos homens e nas mulheres daquele tempo. Adjetivos lhes eram impostos e toda a sorte de verdades e mentiras lhes caía sobre as costas, como as pedras e cusparadas em Geni, do Zepelim. A sua culpa estava no fato de 99,9% dos homens oliveirenses se apaixonarem por sua beleza hipnotizante.
Rechaçada pela sociedade, como a própria Tieta do Agreste, a oliveirense resolveu partir. Sumiu como puro encanto. Deixou esta cidade órfã da sua beleza e da efervescência que foi capaz de causar. A partir dali, tudo voltou a ser como antes.
- Na lógica burguesa, o belo, necessariamente, deve ser seguido pela riqueza, uma virtude inerente às classes mais abastadas Nesse tempo, como agora, essa era a ordem natural das coisas. Se o belo fosse encontrado na periferia, este não teria valor. Seria uma espécie de anomalia ou um erro da natureza. Tal qual o caráter sempre fora atribuído aos homens brancos, a beleza deveria ser uma dádiva reconhecida apenas na abastança.
Antes da sua volta triunfal, Tieta confessou a mim: “Amigo, Oliveira ainda vai ajoelhar aos meus pés. A minha primeira atitude será comprar uma casa digna para a minha mãe, o resto você verá”.
Eis que os anos se passaram. Talvez o tempo suficiente para que a população pudesse esquecê-la. Mas ela voltou. E chegou numa situação bem diferente daquela de quando partiu. Tieta cumpriu a sua promessa. Comprou uma boa casa para a mãe e construiu um mega espaço de eventos e convidou a alta sociedade oliveirense para a inauguração. Estavam quase todos lá. E ela conseguiu. A hi society oliveirense se quedou sob o seu poder. Manifestações de elogios, de quase Idolatria, colocavam a moça como uma entidade superior entre os que se julgavam superiores. Naquele momento, a bela e rica Tieta cumpriu o prometido, e deu um tapa de luvas de ceda na cara da sociedade que a humilhou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada pelo post que vc deixou no meu artigo do Global Voices. Eu não vou mais escrever lá este ano, mas fico feliz que você tenha curtido os artigos de 2009. Um abraço, Deborah